PREFIRO AS QUARTAS-FEIRAS
Mariazinha Cremasco

Gosto muito das quartas-feiras. Meu pai dizia que era o dia melhor da semana. Era o meio, a metade. Faltava pouco para o descanso do domingo. Mas não era por isso que eu gostava das quartas. Quarta-feira para mim era sinônimo de diversão, descontração. Quando menino, ia com meu pai jogar dominó. Ficava olhando e escutando os "causos" que contavam. Adolescente, era eu quem jogava minhas peladas. Namorava às terças, quintas e sábados, jogava futebol às quartas e os outros dias eram reservados para dormir cedo. Casado, mantive o hábito. Sempre fazia algo com amigos nesse dia da semana. Ora baralho, ora dominó, ora conversa fiada. Prosa da boa. Café quente ou pinguinha no frio, refresco no calor. Era muito bom. A mulher reclamava, "assim não é possível, Gorgônio!", mas a gente ia tapeando. De quando em vez, levava as crianças comigo.

Hoje, com a idade que tenho, ainda saio às quartas, mas sempre durante o dia. Costumo ir ao cinema. Às quartas o ingresso é mais barato. Assisto um ou dois filmes. Nas férias escolares, costumo levar meus netos. Saio também nos outros dias da semana quando posso, mas é das quartas que gosto. Sento no banco do shopping (preferiria sentar no banco da praça, mas minha filha acha que o shopping é mais seguro e, afinal de contas, não sou em que vivo dizendo que sou um homem moderno?) e observo as pessoas. Costumo imaginar o que cada uma carrega dentro de si. Suas alegrias, suas angústias. Se não parecesse tão estranho, eu perguntaria a elas, só para ver se acertei no pensamento. Mas as coisas andam tão esquisitas que quase nunca me permito aproximar. Tenho medo do medo que vejo nos olhos das pessoas. Não quero provocar isso. Hoje as pessoas se assustam até com crianças e velhos. Não posso criticá-las por isso. Então observo. Apenas observo, divago, construo histórias. Quase sempre com finais felizes. Muito me custa essa não-aproximação. Tenho vontade de dizer a cada uma delas que ouçam a voz que têm dentro de si. Essa vozinha que sempre pede, exige que a gente seja feliz e com a qual a gente se habitua tanto e se recusa a ouvir. A gente passa anos ouvindo essa vozinha e só muito mais tarde passa a acreditar nela. Felizmente eu ouço e obedeço a voz já há algum tempo.

Contento-me em conversar com minha filha. Ela puxou a mim: todas as quartas-feiras ela deixa o marido e os filhos em casa e sai. Vai encontrar-se com os amigos religiosamente nesse dia da semana. Vão a um bar, tomam cerveja, conversam, riem, trocam idéias. O mesmo que eu fazia. A única diferença é que ela é mulher e anos atrás as mulheres ficavam em casa. Eu, que me acho um homem moderno, jamais levei minha mulher a meus encontros de prosa. Hoje me pergunto por quê. Se eu fosse moderno de verdade, levaria. Qual é o problema? Hoje consigo ver as coisas de um modo diferente. Acho tudo normal. Quer dizer, quase tudo. Fico me policiando para não ditar regrinhas aos meus netos e para não cair na "mesmice" dos avós. Minha filha é que está certa. Cuida do marido, dos filhos, da casa e faz questão de manter seus amigos. Acho que aí reside sua sanidade. Com a vida doida que vivemos, nada como ter gente para conversar e dividir o dia-a-dia. Gosto de esperar acordado por ela. Quando sai, toda ajeitadinha, banho tomado, jantar pronto, recomendações aos filhos, beijo no marido, percebo o brilho nos seus olhos. Quando ela volta e se senta comigo para contar um pouco da sua noite, enxergo o mesmo brilho. Acho que vejo um pouco de mim nessa mulher que criei.

Sabe, qualquer dia desses, vou pedir a ela que me leve a um desses encontros. Já conheço algumas das pessoas com quem ela sai. Acho que me fará bem. Só espero que elas não se incomodem em ter um velho que não gosta de ser chamado de velho por perto, e que não usem diminutivos ao falar comigo.

Meu próximo passo é pedir a meus netos que me ensinem a usar melhor o computador.Sei um pouco e quero aprender mais. Quero descobrir essa tal de internet.

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