MULHER PRENDADA
Míriam Salles

Josephina, mulher prendada, voltou da feira carregando uma sacola de frutas frescas. A verdura comprava no mercado, mas as frutas só na feira. Eram inegavelvelmente melhores. Na pia da cozinha, lavou e arranjou-as na fruteira, fazendo um enfeite para a sala de jantar. Era um detalhe, mas a vida não é feita de detalhes?

Em tudo era meticulosa, até nos relacionamentos. Acreditava que sentimento se constrói e se esforçava para criar edificações espetaculares.

Preferia a feira das quartas. Não sabia bem por quê já que segundas, terças, quintas e sextas também são feiras e também tem feiras, uma em cada bairro. Mas preferia mesmo as das quartas. Aos sábados ia ao mercado.

Segunda era dia de faxina. Terça, dia de passar. Quarta, dia de feira e de enfeitar a casa, quinta, dia de lavar quintal. Sexta, dia de se arrumar, sábado dia de receber e domingo, dia de passear. A vida seguia feito relógio.

Olhou para a outra sacola que abandonara sobre a mesa. O óleo dos pastéis começava a passar através do saco de papel. O que faria com tantos pastéis? Comprara num impulso dez pastéis de queijo, talvez embalada pelo versinho que sempre lhe vinha a mente enquanto andava na feira:

Um, dois, feijão com arroz.
Três, quatro, feijão no prato.
Cinco, seis, molho inglês.
Sete, oito, comer biscoito.
Nove, dez, vai na bica
lava os pés, pra ganhar 10.000 réis
e comprar dez pastéis.

Por que será que se ganhava 10.000 réis só de lavar os pés? Ela trabalhava incansavelmente e só ganhava a pensão do finado, morto há muitos anos de ataque cardíaco fulminante.

Enquanto desembalava os pastéis e os colocava numa tigela, organizando-os feito leque, uns sobre os outros - mas não demais, só as pontinhas - lembrava do dia em que o finado chegara em casa mais cedo e a encontrara nua no quarto com Matilde, a melhor amiga do casal. Desde aquele dia nunca mais tivera amigas, só amantes.

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