EU SEI DE QUÊ
Mariazinha Cremasco

"Fica aí me olhando com essa cara de não-sei-quê". Era isso que minha mãe dizia quando achava que a gente estava mentindo ou dizendo algo que não sentia.

Sabe aquelas pessoas que te olham com um sorrisinho e te dão uma notícia pra lá de incômoda? Pois é. Fazem isso com um não sei quê estampado na cara. E você fica com a mesma cara de não-sei-quê da pessoa. Penso que é porque as duas estão sendo falsas.

Uma vez fui chamada ao colégio do meu filho. A Irmã-diretora, com uma típica cara de não-sei-quê, gentilmente me contou que meu filho havia desenhado na primeira folha do caderno de religião (vejam bem, caderno de religião) um túmulo, uma cruz e um homem em pé ao lado de um anjo. Detalhe: todo o desenho foi feito em preto e branco. O homem ao lado do túmulo segurava uma faca, de onde pingavam gotas de sangue... vermelho. A única coisa colorida do desenho era o sangue. Conhecendo meu filho como conhecia, deu-me uma vontade incrível de rir. Mas fiz uma cara de infeliz e só consegui me desculpar, com frases do tipo "vou falar com ele, Irmã. Esse menino tem cada coisa...". Claro que não precisei me olhar no espelho pra saber que eu também estava com cara de sei-que-lá. Afinal, era visível que a Irmã não gostava da situação. Ela queria dizer mesmo era que estava cheia daquele menino rebelde, cansada do comportamento exageradamente chamativo de meu filho, que não aguentava mais a indisciplina do menino. E eu, por minha vez, queria mais era dizer: "qual é o problema? Ele está prejudicando alguém com o desenho? Por que a senhora não fala logo que não aguenta mais o menino? Quer saber de uma coisa? Eu também já estou cansada da hipocrisia e da filosofia da escola". Mas limitei-me a dar um sorrisinho amarelo e ficamos ali, ambas com cara de não-sei-quê.

Tenho notado que ultimamente fico cada vez menos com cara de não-sei-quê, pois a cada dia que passa me permito ser o mais clara possível e externar minhas opiniões. Escorrego muitas vezes. Deixo de dizer coisas, mas não finjo mais. Acho que progredi um tantinho. Acho que é por puro medo de ficar impregnada por esse não-sei-quê. Aliás, convenhamos: sei bem de quê é a cara de não-sei-quê. É cara de bunda.

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