UM NÃO SEI QUÊ
NA PÁTRIA AMADA
Marta Rolim

A perfeição necessita - sempre necessitou - do singelo e tímido imperfeito, para que possa, assim, exibir suas virtudes exuberantes. Eta! Talvez por isso as larvas tenham sido preservadas. Portadoras da febre incontinente. Loucas pororocas. Ficaram virulentas na pequena lagoa, nascituras, à espera do cumprimento final, da sina, previamente determinada pela lógica matemática e cosmológica de algum Originador desconhecido. Sim.

Criaturas bizarras diante de qualquer luneta - céu aquático -pêlos e limites polimorfos, trombinhas e formas de respiração surreais. As larvas pequeninas estavam contaminadas. Na beira do campo a lagoa morna, a poça, réstia de chuva apodrecida, lama em fermentação, PH pra lá de irracional.

Larvinhas adolescentes, amadurecendo a pestilência.

O goleiro foi o primeiro a sentir os sintomas. Caiu ardendo, juntas ferruginosas de nervos expostos. Não defenderia nem uma bola de meia cruzando o nariz aquilino. Depois o zagueiro, parecia estratégia de guerra do inseto. Em seguida o ala esquerda e assim a febre foi se espalhando. Logo o rubro negro estava em chamas. Termômetro beirando os quarenta graus, imerso nas bocas, naufragando junto as línguas desidratadas. Bandeiras prostradas.

Depois a moça do Planalto Central foi atingida. Em plena campanha jurou investir maciçamente na Saúde Pública, mas era tarde. As larvas haviam acumulado nos pratos gigantes de Brasília, as abóbadas esféricas ofertando eternamente um não sei o quê ao poder. A doença.

E o time rubro-negro - não hemorrágico, graças! - e a moça herdeira deitaram em berço explêndido. A nação aflita devorava larvinhas irrequietas no jornal nacional diário e as poças d'água sorveram veneno de Cuba. Santa Cuba! Alimentando os soros precisamente utópicos, à espera da cura.

Não. Não morreram. Elas continuam lá, as prévias de mosquitos em gestação. Multiplicando-se discretamente nos vasos sanitários abandonados - nos vasos sangüíneos - nas goleiras torpes, corroídas de cupim e óxido; nos planaltos em formato de cuia ou casca de coco, como queira. Não, não foi delírio febril. Os acúmulos de água teimam em confirmar: no país do futebol os mosquitos vencem e a moça bonita da arquibancada grita por seu próprio nome: Goool!

Um milhão de reais picam os braços do povo.

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