SINUSITE
Reinaldo de Morais Filho

Nem sono, nem preguiça. Sinusite.

Lembro-me do dia em que acordei com os olhos pesados, acomodando-se sobre as bochechas doloridas, a dor de cabeça; o estômago se contorcendo com o gosto ruim que descia da boca, grudava na garganta e com uma tosse forçada, caía na barriga.

Confesso que há sonolência, uma inevitável indolência, mas que não se prolonga por um tempo suficiente que as concretize em sono e preguiça, como o constante vazamento de catarro pelos poros nasais, de gota em gota, pegajoso e sempre, eficiente para que eu possa me dizer doente.

A cabeça adormece isoladamente, sem se preocupar com os afazeres do resto do corpo. Tomo café, leio os jornais, cumpro minha rotina. Executo o tempo da minha vida como um funcionário público, batendo o ponto, sem me preocupar com rendimento ou com satisfação.

Sem grandes percalços, pois viver não é tão complexo assim. Em poucos instantes encontrei desafios, tive que refletir, o suor frio da dúvida e da apreensão escorreram por entre meus lábios.

Escolhi certo, escolhi errado, sem ter, em nenhum momento, consciência do que fazia; os neurônios endurecem, o pensamento retarda, dói. Por isso, prefiro não forçar muito.

E tornei-me notívago por acidente, um notívago incomum, é bom frisar. Pois, embora adorador da noite (o sol esquenta o crânio, ferve o pus, amplia o incômodo), sempre fui obrigado a conviver com o dia.

Durmo na alta madrugada, desperto no segundo canto do galo imaginário que repousa no poleiro da minha sala. Mesmo cansado, acordo; só me permito cochilar pelo período bastante para agüentar de olhos abertos o traçado solar em cima do meu esqueleto.

E tornei-me saudosista por necessidade. Na escuridão calada do meu quarto solitário, revolvo os armários, cavo as gavetas, cisco nos cantos. Leio e releio as agendas, que, agora, já não tenho mais forças, nem paciência, tampouco casos, para escrever.

Gasto as fotos com meu olhar inexorável, com as gotas ácidas das lágrimas que pingam no papel. Desce um choro amarelado, como todos os líquidos que passaram a escorrer de dentro de mim.

E por causa, talvez, da saudade triste, tornei-me azedo, um adorador dos infortúnios, pessimista, rancoroso e chato. Fui afastando as pessoas que estavam juntas, e escorraçando as que ousaram se aproximar.

No entanto, apesar de me imputar culpa nas crises que surgiram nos meus relacionamentos, na minha vida, recuso a alcunha de preguiçoso. Rejeito os gritos ofensivos aprisionados entre meus ouvidos.

Tudo que passou, que passa e passará, deve-se, tão somente, à sinusite que se alojou em meu corpo, que se escondeu nas minhas entranhas, que médico nenhum consegue enxergar. E a sonolência, a preguiça, a insônia, nada mais são do que a extensão de um mal maior, contingentes à doença.

Disse e repito: nem sono, nem preguiça. Eu sou doente.

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