O TIQUE DO "AH, SE EU PUDESSE..."
Eduardo Loureiro Jr.

O tique não é apenas uma contração muscular involuntária, mas também todo e qualquer ato ridículo - inclusive o de usar certas palavras ou expressões. 

Tão irritante quanto um olho piscando para você a cada dez segundos - e sem qualquer intenção de paquera - é ouvir sempre a mesma expressão, dia após dia. As pessoas mais chegadas ao Bené já não agüentavam mais: era um tal de "ah, se eu pudesse" pra cá, "ah, se eu pudesse" pra acolá...

Se perguntavam ao Bené um ingênuo "quer tomar um cafezinho?", ele respondia:

- Ah, se eu pudesse...

E se a mulher pedia o bis depois do sexo, era a mesma coisa:

- Ah, se eu pudesse...

O que irritava as pessoas era que o Bené sempre tomava o cafezinho, sempre dava o bis, sempre podia o que pudesse. Ao conhecê-lo, as pessoas tinham um sentimento de pena por aquela criatura que julgava não poder nada. Mas depois, vendo que o Bené podia sim, e que tudo não passava de um tique, as pessoas se aborreciam.

Colegas de trabalho viraram-lhe as costas ao deixar de ser promovidos porque - com o seu "ah, se eu pudesse" - Bené conseguiu a vaga. Sua própria mulher, satisfeita mas desconfiada da potência do marido, não agüentou quando perguntou ao Bené se ele era capaz de traí-la e ouviu a resposta de sempre.

Encolerizada, ela gritou:

- Eu quero que você morra, seu tarado!

Ele, sem titubear, respondeu:

- Ah, se eu pudesse...

E, como sempre, ele pôde. A mulher o assassinou com a faca da cozinha.

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