SE
Lydia Dias

Ah essa dor. Ah essa amargura e esse vazio que acompanham o peito calado do rei mutilado. Se eu pudesse fazer ver esse homem... que ele é só isso mesmo... apenas um homem... de carne e osso. Homem que tem sangue correndo nas veias, necessidade de se alimentar quando tem fome, necessidade de amar e de ser amado sem ser dono ou devedor, necessidade de olhar para perceber um mundo repleto de pessoas que tem por sua vez, as mesmas necessidades que ele. Gente que anda, ri, chora, quer viver bem e de bem. Ai, se eu pudesse tirar a venda do coração reprimido desse rei que precisa fazer calar para se sentir ouvido. Se eu pudesse tirar o tom lancinante de sua voz ao bradar para o mundo que ele pode mais. Ah... se ele ao menos se visse como um pedacinho do quebra-cabeça do mundo, então perceberia a ironia da vida.... as pequenas pecinhas do mundo como simples vírgulas que dão o ritmo e o tom da sentença . Conseguem olhar para os lados e ver todos que as cercam, tem responsabilidade proporcional ao seu reduzido tamanho, reciclam amor e transpiram a esperança de viver num mundo lotado de opções. O grande é solitário, ocupa espaço demais para conseguir ver quem se encontra ao seu lado. Inchado... ele dói... O horizonte está muito longe para se ver alguém... para se ter alguém. Um pequeno movimento seu destrói quem tão longe está de seus olhos, de seu coração. Quando contempla as prateleiras repletas de opções ele acaba adquirindo a arca mais temida e terrível à disposição no mercado do mundo... Sai carregado do baú de orgulho, tem nos olhos o brilho do iludido... E quando veste a nova aquisição, esta adere a seu corpo como pele. Impregna sua alma, seu olhar, suas palavras e seu toque. Pesa no corpo e no peito. Pisa, oprime e ele incha, infla e se inflama... e pisa e oprime, e queima e devora tudo que se encontra a sua frente. Quem sabe um dia esse rei não fique com muito calor e resolva se despir dessa fantasia. Deixá-la cair ao chão, e sair dela nu, puro e leve, juntar-se ao mar de gente que se diverte com a água fria e se aquece ao sol num suspiro profundo de ... ai que vida boa...

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