VOE, SURFE E SALTE
Rodrigo Stulzer Lopes

Se eu pudesse já estaria pegando ondas enormes, deslizando em suas paredes e sentindo a total integração com esta força tão poderosa da natureza que é o mar. O aprendiz de surfista tem sempre um grande caminho pela frente.

Se eu pudesse, veria a onda chegar e remaria com toda à força a exatos quarenta e cinco graus em relação ao seu deslocamento e, na hora certa, ficaria de pé. Iria em direção a sua parede, quase encostando o peito nas toneladas de água que se deslocam para a praia. Deslizaria com velocidade e determinação até a onda quebrar; nesta hora meu objetivo estaria cumprido e voltaria remando para além da arrebentação, a procura da próxima onda e do próximo desafio.

O rapaz que acabou de entrar no esporte ainda está com aquele gostinho de novidade. Esta hora da inocência é muito interessante, tudo é especial e a cada dia tem-se algo para descobrir. E as gírias? Nossa, como o surf tem gírias, e a maioria ainda é em inglês: lip, outside, backside, goofie, swell e tantas outras. Pelo menos têm-se gírias em português, para não deixar a nossa língua a ver navios: toco (prancha velha), pico (local de surf) e não menos importante, morra (onda grande).

Uma das palavras mais lindas que já ouvi no surf é "swell". Swell significa ondulação e tem um som maravilhoso, ainda mais se falada pelo surfista. Eles dão um entonação toda especial à ela e sente-se como aquilo é importante, como é especial. A letra "e" é esticada e a boca enche-se, despejando a própria ondulação em forma de palavra: "sweeeeelll"

A interligação entre um fenômeno tão elementar e natural para o mar, a onda, com o homem, é algo de mágico. Os surfistas, assim como todos os praticantes dos ditos esportes radicais, são abençoados por poderem entrar em harmonia como sentimentos tão primitivos de nosso mundo. Estes homens e mulheres estão resgatando o contato primordial com a natureza com suas roupas coloridas, seus óculos estranhos e seus equipamentos de alta tecnologia.

Não é por menos que a grande maioria dos praticantes deste tipo de esporte é tão fissurado. O prazer que a natureza retorna ao homem quando ele está em contato tão íntimo com ela é algo que transcende a própria razão, levando muitos de seus praticantes as mais ousadas e arriscadas manobras. Tudo isso para desvendar os mistérios e chegar ao âmago da natureza, de seus encantos e de seu poder.

Ao tentarmos comparar as conquistas do homem em relação à força da natureza somos pálidos reflexos de seu poder. Chegará o dia em que olharemos a natureza de igual para igual. Espero somente que o respeito e o profundo amor que tantos esportistas sentem por ela reflita-se no coração dos que, infelizmente, não foram abençoados com o seu tão envolvente contato.

Se eu pudesse, faria cada pessoa deste planeta dar um salto de pára-quedas; faria cada um surfar uma grande onda, passando pelo seu tubo; faria cada um voar em um parapente, por mais de 50 quilômetros, somente através das térmicas; faria tudo isso para que eles sentissem o real significado da palavra liberdade.

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