QUASE ERREI
Ana Terra

Um sonho me deu a mão e eu fui. Confiante. Sonho nascido de "um Raio Humano que despencou na minha cabeça e, desde então, vibra este trovão". Saio de casa sem rumo definido. Uma vaga idéia onde encontrar meu Raio Humano. Ando por ruas desconhecidas. Faróis de automóveis ferem meus olhos. O sonho, em silêncio ao meu lado. Difícil entender sua linguagem. Talvez a ilusão entenda. Ou a imaginação, que fez do Raio Humano a essência da sensualidade, ternura e delicadeza.

Já cansada, o sonho me mostra o templo do Raio Humano. Sem pensar, empurro e porta e deparo com a sensualidade no ar. 

Como um imã, meu olhar "gruda" no Raio. Como eu imaginei. Trovão no peito. Tremo inteira. Num segundo olhar, vejo que o Raio estava encantado por uma Nuvem Negra. Os dois, na dança da sensualidade do meu sonho. 

Primeira reação: Soco no estômago. Com o olhar, indaguei ao sonho: e agora? Vou te matar. Estou cega. No peito o trovão não vibra, transforma-se em paralelepípedo. Meia volta em direção à saída. Quero sumir dali. Dou alguns passos, mas uma força me impede de continuar. Sento na primeira cadeira que encontro. Garçom, por favor, uma vodka dupla. Não. Quero lucidez. Uma coca-cola com bastante gelo e limão. Respiro fundo e tento raciocinar. O sonho não poderia ter feito isso. Nunca duvidei dele. Fé cega. O que aconteceu de errado agora? O suor me escorre pela nuca. Coca-cola na mesa. Um cigarro. 

Monólogo: Ingênua. Pensou em ter a posse de um Raio Humano? Raio livre, que risca o céu e faz tudo tremer. Indomável. Que só pára quando quer. Olhe direito. Coloque os óculos. Se não adiantar, vá até o passado e recupere os olhos de sua juventude, quando você brigou pela liberdade, pela plena liberdade. E agora quer posse? Tenha paciência... Veja com os olhos de sua alma. "Seu" Raio está ali. Num compasso lindo. Acolhido com ternura pela Nuvem Negra que ele escolheu. Sinta toda a delicadeza desse encontro. O Raio está feliz, está vendo? Sorri com o corpo todo. Distribui sensualidade. Está tão sereno que até se esqueceu do trovão. Você é que "fabricou" esta tempestade. 

Segunda reação: Aspiro toda a magia do lugar. Aos poucos, meu corpo vai se colorindo. A sensualidade me envolve. Estou conseguindo vencer mais uma batalha. Lembro que deixei "minha alma esticada no curtume". Corro e a liberto. Ela sorri para mim. Entro de corpo e alma na festa da delicadeza. Fecho os olhos e flutuo. Estou leve e entorpecida. Num rápido abrir de olhos, vejo um lindo ser no espelho. Que sorri. Que está em êxtase. Quem será? Coloco os óculos e vejo a minha imagem. 

Abraço o Raio Humano. Ondas serenas acariciam meu corpo. Não resisto e abro meus braços para a Nuvem Negra. Ela me acolhe com carinho e sabedoria. Sei que, por várias vezes, ela já se transformou uma chuva fresca que me aliviou em momentos confusos.

Tudo em paz agora. Onde está o sonho? Está ali, sentadinho na cadeira onde o deixei, com um sorriso maroto. Tenho vontade de jogá-lo pela janela, mas não consigo. Sem ele não vivo. Ele sabe, assim como eu, que estamos em "Tempos de Delicadeza".

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