DOIS HERÓIS, SEM ERROS
Fábio Luiz

O herói avança pelas linhas inimigas destemido. Arromba uma porta com o pé esquerdo como se ela fosse feita do mais fino papel. Os inimigos, pegos de surpresa pela invasão, não conseguem reagir e caem sobre o efeito das balas certeiras.

O herói levanta assustado. O despertador parece não ter compaixão e berra a plenos pulmões. Abre a porta do banheiro como se fosse uma geladeira. A esposa, pega de surpresa, lhe joga a toalha no rosto, certeira.

O herói se lança no meio do lago fétido. Suas botas encharcadas pelo lodo não parecem pesar demais e tampouco diminuem sua marcha. Ele rasga a mata com sua faca, abrindo espaço para sua amiga metralhadora.

O herói se lança na água gelada do chuveiro para espantar o sono. Gelada, pois não teve tempo nem disposição para consertar a ducha. A falta de dinheiro no final do mês também ajudou. Promete a si mesmo dar um jeito no problema enquanto se barbeia, abrindo cortes novos na pele já machucada pelo tempo.

O herói é engolfado pela cobra gigante que surge como um raio à sua frente, enrolando seu corpo e apertando seus ossos como uma prensa. Sua boca se abre para engoli-lo e a metralhadora parece não ter balas suficientes. Finalmente, se solta e invade a mata novamente.

O herói engole seu café preto, forte, sem açúcar, de ontem. Enrola um pedaço de queijo mussarela em um pão de forma e o mastiga sem pensar. Sua boca se abre mostrando que a noite de sono não foi suficiente. Finalmente, levanta-se, beija a esposa e sai para a rua. Antes, lança um olhar para a sala e um sorriso.

O herói está muito ferido. Tarde demais ele percebe que não tem mais munição e é abatido por um inimigo oculto na folhagem. Erro fatal? Sim. Fim da história? Não. O botão de "reset" é apertado. O Jogo pode começar de novo. Antes é necessário obedecer à mãe que ameaça deixá-lo de castigo se não tomar logo o seu café. Nem percebeu que o pai já havia ido trabalhar.

O herói avança pelas linhas de ônibus destemido. Abre sua marmita e vê seu sanduíche-almoço da esposa como se fosse o mais fino prato já feito. Lembrou que esqueceu de pagar a prestação do videogame do filho. Erro fatal? Não, ele sempre dará um jeito. Fim da história? Com certeza também não. Antes ele quer sua família feliz e em segurança. Ele é um herói e assume seus erros com um sorriso de esperança no amanhã.

fale com o autor

Para voltar ao índice, utilize o botão "back" do seu browser.