DA VIOLÊNCIA -
NÃO ERREMOS MAIS
Gil Cordeiro Dias Ferreira

Não conteremos a violência com frases de efeito, tais como " ela passou dos limites" , porque, ao fazê-lo, estamos tacitamente admitindo termos traçado limites de tolerância para ela, quando essa tolerância deve ser zero.

Não conteremos a violência com planos mirabolantes engendrados no calor de acontecimentos dramáticos - como o seqüestro do ônibus 174, já lá se vão dois anos - mas relegados ao esquecimento, tão logo baixe a poeira do tempo, que tudo apaga.

Não conteremos a violência com marchas, roupas brancas, velas acesas, discursos ao pé dos túmulos de vítimas inocentes, belos editoriais em periódicos, pronunciamentos políticos e quejandos - pois que a tudo isso os marginais fazem ouvidos moucos, e no minuto seguinte voltam a nos assolar.

Não conteremos a violência enquanto não demonstrarmos, por todos os meios possíveis, para aqueles a quem elegemos, que, ao fazê-lo, cedemo-lhes parte do poder que de nós emana - nossos direitos, sob a forma de votos e tributos - para que adequadamente gerissem nossos destinos - seus deveres. E se não os cumprem, cabe a nós , na melhor das hipóteses, exigir que ou façam; ou, na pior, destituí-los.

Não conteremos a violência enquanto o Congresso Nacional não reformar nossas esclerosadas leis penais e abolir as aberrações jurídicas que privilegiam criminosos; enquanto não dispusermos de um Judiciário ágil, disponível 24 horas por dia, que se preocupe mais com a eficácia do que com o preciosismo semântico de suas sentenças e acórdãos; enquanto existirem maus advogados que se utilizem, quando a serviço de seus clientes, do privilégio de serem "invioláveis quando a serviço da Justiça"; enquanto existirem Governadores e Prefeitos pusilânimes, que hesitem em aplicar a força onde e quando necessária, pelo receio infundado de perderem votos; enquanto existirem indivíduos e instituições que ofereçam fortes resistências às tentativas governamentais de implantação de políticas de planejamento familiar; enquanto os indivíduos e instituições defensores de direitos de criminosos existirem em maior quantidade do que os voltados para as vítimas; enquanto houver, dentre os ricos e poderosos, viciados em diferentes tipos de drogas, capazes de tudo para não ficarem desprovidos delas; enquanto houver indivíduos e instituições insistindo demagogicamente na descriminalização das drogas; enquanto não unificarmos as Polícias e investirmos mais nos homens que as integram do que nos armamentos, equipamentos e viaturas que utilizam; enquanto não investirmos maciçamente no sistema penitenciário, e enquanto os responsáveis por este quiserem nos impingir a falácia de que ignoram como, ou não são capazes de impedir que armas, munições, celulares e drogas cheguem às mãos de apenados; enquanto os meios de comunicação exacerbarem o consumismo desenfreado, a sensualidade sem limtes, o afrouxamento moral, o "liberou geral"; enquanto os cidadãos de bem estiverem sitiados em suas cidades pelos marginais que derrotam os poderes públicos.

Errar uma só vez é perdoável. Mas já o fizemos bem mais que uma só vez. Talvez ainda haja tempo de reverter o caos em que nos encontramos, sem abrirmos mãos dos princípios democráticos que nos regem. Mas dentro em pouco, a persistir esse progressivo esgarçamento do tecido social, talvez não nos seja mais possível fazer imperar o Estado de Direito, senão pelo emprego da violência contra a violência; pela intervenção, pela suspensão de garantias individuais, pelo estado de sítio, pela guerra civil, enfim, por mais uma demonstração ao mundo de que, em que pesem tristes experiências passadas, ainda não estamos aptos a gerir nossos próprios destinos.

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