DIVAGAÇÕES À RESPEITO DA FUMAÇA
Rodrigo Stulzer Lopes

Acendeu um cigarro como sempre fazia: fósforos riscados de fora para dentro e olhar semi-serrado, isso ajudava a não arder os olhos.

A primeira tragada era diferente: o gosto da fumaça misturava-se com o fumo novo e descia de forma esplêndida; nunca iriam entender como fumar era bom, há, se era...

Ela foi despertada pelo fósforo em contato com o fumo. "Hehe, mais um"; pensou lembrando que este era um de seus disfarces mais simples e eficientes.

A segunda tragada já não tinha o mesmo gosto, mas, mesmo assim, era uma maravilha. A fumaça era sorvida pela boca, descia pela traquéia e inundava os pulmões. Os alvéolos processavam aquela mistura de ar, gás carbônico e milhares de outras substâncias, derramando-as na corrente sangüínea. Nesta hora a nicotina iniciava seu efeito e ele começava a tornar-se mais calmo. Ela iria atingir o seu pico em torno de 20 a 30 minutos, caso outro cigarro não iniciasse novamente o processo.

Ela encontrava-se agora dentro do sangue. De uma estado amorfo, como a fumaça, partia para uma viagem através das artérias, percorrendo cada centímetro quadrado do seu corpo. Era um fantasma tomando-lhe o corpo e sua alma.

Ele havia começado a fumar a partir dos doze anos de idade. Nunca iria esquecer o sentimento de poder e força que aquele simples pedaço de papel e folhas processadas lhe fez sentir. Alguns de seus amigos também iniciaram na mesma época; era uma maneira de se expressar, de viver com intensidade e sem fronteiras. Fumar representava a liberdade e o prazer intenso e imediato.

O Caído havia lhe proposto aquele disfarce. Tinha que afirmar, era perfeito, mas ao mesmo tempo muito simples e fácil. Nada mais de acidentes domésticos, doenças inexplicáveis ou desastres aéreos. Ele, como todos os outros, também tinha uma cota a cumprir e desta maneira era mais fácil de administrar. Em vez de ficar anos e anos planejando a morte de milhões de pessoas, iniciava-as na arte do tabagismo em tenra idade e somente administrava o vício através de algumas décadas.

No início foi mais difícil, pois a arte fora descoberta pelos índios e levou centenas de anos até atingir a marca de milhões de usuários no mundo. A partir daí foi relativamente fácil. ELE tinha vários contatos e conseguir industrializar as primeiras folhas não fora algo que lhe exigisse grande dedicação. Rapidamente as pessoas foram adquirindo o hábito e com o dinheiro inicial pode-se investir em outras áreas, principalmente o marketing, para aumentar ainda mais a demanda pelo maravilhoso cigarro.

Agora a Morte podia aproveitar mais a sua existência. Chega de ter que arranjar um jeito diferente de levar cada condenado para o outro lado. Agora as pessoas iam em blocos e mesmo estando em uma forma terminal, não largavam o vício. Pelo seu enorme poder, até ELA não tinha coragem de experimentar o cigarro quando estava sob uma forma humana. Preferia deixar para os pobres mortais, condenados a vagar eternamente por aquele planeta. Ela só sentia um pequeno remorso, sabendo que eles sofreriam muito, mas logo esquecia pois estavam fazendo pelo seu próprio desejo e vontade próprias.

E ele acendia mais um e dava a primeira baforada...

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