RITUAL
Viviane Alberto

O começo é um pedaço de papel com um numero escrito. Pega, olha, amassa, abre novamente, olha mais um pouco e joga na caixa. E mais pedaços de papel. Desenhos de mesa de telefone, guardanapos, embalagens que só fazem sentido ali. Tudo vai para a caixa. Abre um livro e dele tira mais coisas. Um bilhete, vários tíquetes de viagem e fotografias. Olha pra tudo com uma coisa estranha subindo do peito e estrangulando a garganta. Não, não é saudade. Nem era amor. Mas seja lá o que quer que tenha sido está subindo agora, pesado, lágrimas. Dó de rasgar aquela fotografia, mas agora já não importa mais, ela vai para a caixa. Se fosse só aquilo ali teria sido infinitamente mais fácil. Se não houvesse uma história por trás de cada rabisco guardado nos livros e na memória. O que é tangível hoje está indo para a caixa; o que não era, o tempo gastou. Macerou, esmagou. Sumiu. E o engraçado é que não deu pra perceber quando aconteceu. Dia vindo, dias indo e de repente já não era mais. Era futuro, tinha chegado o outro dia. E já não machuca mais o nome, notícias. E assim tudo pode ir para uma caixa, que se enche desse passado, transborda. 

No quintal, uma fagulha transforma tudo numa chama alaranjada, que estala. A fumaça densa se forma e se eleva, dançando ao meio dia ou quase isso. E eu te liberto, meu fantasma particular, para ganhar o mundo. Um mundo que na verdade sempre foi sua casa, mas eu ainda não tinha percebido.

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