EXPLICAR O INEXPLICÁVEL
Ivone Carvalho

Cumprimentamo-nos solenemente. Como em toda apresentação, falamos sobre coisas corriqueiras, nos descrevemos superficialmente, abordando profissões, local de residência, família, tempo, clima, trânsito, essas coisas que normalmente dão início a uma primeira conversa. Observei sua simpatia, educação, gentileza, propriedade na forma de falar, conhecimento da língua pátria, cultura, inteligência.

Aos poucos, sentia-me envolvida por aquela pessoa que nunca tinha visto antes, mas que, repentinamente, parecia-me tão familiar. Descobríamos, aos poucos, que tínhamos formas de pensar muito semelhantes, que muitos dos nossos hábitos eram comuns ao outro, que apreciávamos os mesmos temas, as mesmas músicas, os mesmos pratos, as mesmas belezas e formas da natureza.

Em pouco tempo, estreitamos aquela amizade que mal se iniciara. Descobrimos logo que tínhamos muito em comum e que nos identificávamos surpreendentemente, portanto, não deveríamos fazer daquele, o único encontro. 

Assim, na hora da despedida, trocamos telefones, e-mails, endereços e combinamos um breve contato, para continuarmos aquela conversa tão amistosa, mas maravilhosamente interessante.

Deitei-me pensando nele. Incrível como havia mexido comigo aquela pessoa tão simples e ao mesmo tempo especial, tão aberta e, simultaneamente, tão misteriosa. Mas era tão familiar na forma de falar e até fisicamente, que eu seria capaz de jurar que já conversáramos e nos víramos muito, na verdade, ao longo de toda a vida. Foi pensando no seu jeito meigo e alegre de ser que adormeci naquela noite.

No dia seguinte, eu me sentia especialmente feliz, mas não sabia exatamente o motivo. Flagrei-me inúmeras vezes lembrando aquele rosto da noite anterior, a voz, o sorriso, os gestos. Era inacreditável, mas eu sentia que já o conhecia. De onde? Questionamos isso várias vezes durante a nossa conversa, mas não encontramos um ponto sequer onde podíamos nos ater para nos certificarmos de que já tínhamos nos visto. Ele também tivera essa sensação e frisou isso o tempo todo enquanto estivemos juntos. Mas não, não conseguimos descobrir, de forma alguma, o motivo daquela proximidade, daquela certeza de que já conhecíamos até os hábitos um do outro, o modo de viver, de sentir, de agir e reagir a qualquer situação.

Ainda pela manhã, tocou o telefone. Era ele. Cheguei a embargar a voz quando o ouvi do outro lado da linha. Tentei disfarçar, mas percebi que ele também demonstrava ansiedade e emoção ao me ouvir.

Acabamos rindo um do outro e, já relaxados, falamos amenidades, comentamos sobre a noite anterior e logo ele propôs que voltássemos a nos encontrar. Nem pensei duas vezes para aceitar! Pouco depois, eu pensava se não tinha sido precipitada, se não deveria tentar primeiro arrumar uma desculpa qualquer ou, pelo menos, não mostrar toda a vontade que eu sentia de estar com ele o mais rápido possível, novamente.

Na mesma noite as surpresas só aumentavam. Pior que isso! A surpresa maior era exatamente saber que nada do que falávamos surpreendia o outro, porque tudo que era dito não era novidade, mas tão somente uma confirmação.

Parecia que um retratava o outro, à medida que contava a sua própria vida, o seu modo de ser, de sonhar, de ter vivido o passado e de planejar o futuro. 

Éramos idênticos. Quando um começava uma frase o outro já a estava concluindo, quando um iniciava uma revelação, o outro já conhecia o epílogo. 

Sorríamos juntos e muitas vezes em que cheguei a controlar e não deixar rolar uma lágrima de emoção, vi os olhos dele brilharem molhados.

Em pouco tempo sabíamos o quanto nos completávamos e o quanto precisávamos um do outro.

Vez ou outra, aquela pergunta voltava, insistente, intrigante, apaixonante:

- De onde nos conhecemos? Nos vimos a vida inteira, nos esperamos a vida toda, fizemos as mesmas coisas tantas e tantas vezes, nas mesmas épocas, mas em lugares distintos, e hoje estamos aqui, falando sobre tudo isso, como se estivéssemos revivendo aquilo que já fizemos juntos! 

- Onde você esteve durante todo esse tempo? 

Jamais encontraremos essa resposta! Não é possível explicar o inexplicável!

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