JANELA QUE NÃO EXISTE
Maurício Cintrão

Imagino uma janela na parede cega de meu escritório.Sempre faço isso quando não consigo achar a frase que falta para um texto. Olho para a parede e disparo meu olhar esturricante que derrete tijolos. É evidente que meu poder não vai muito além de dois ou três segundos de imaginação. Logo desisto e, penitente, lamento por ainda não ter aberto a marretadas esse muro que me separa do mundo exterior.

Gosto da intimidade do ambiente fechado, mas começo a me sentir sufocado neste cantinho da casa. A janela disponível está no banheiro, à minha esquerda. Mas banheiros de residências populosas são disputados. Portanto, nem sempre tenho banheiro livre (ou melhor, janela disponível) para olhar o mundo. 

Precisaria, de fato instalar uma janela onde, hoje, há um peixe feito de argila, comprado em um ateliê da praia. Não sei o motivo de ter pregado o peixe ali, naquela parede. Talvez seja uma espécie de testemunhal surrealista: um peixe emparedado denuncia a intenção que nunca foi às vias de fato, a de romper a barreira rígida que me separa do mundo à minha direita. 

Porque a parede cega está à minha direita. Entro e saio desse meu cantinho pela esquerda. Atrás, em frente e à direita há apenas paredes. Pensei que fosse me sentir protegido assim, enclausurado. Mas o espírito escrevinhador resolveu querer amplidão. Esse é um dos enigmas do espírito humano. Nunca está satisfeito. Você luta, luta, luta, conquista o que deseja e logo está brigando por alguma coisa que não tem. Neste momento, minha questão envolve quebrar paredes.

Já estive muito próximo de levar adiante o projeto. Mas a casa não é minha e, cedo ou tarde saio dela. Por que investir em uma melhoria em um lugar que não é meu? Pois não seria uma janelinha de lavabo, aquelas que lembram clarabóia de delegacia. Teria que ser uma janela alta, exuberante.

Uma janela capaz de deixar entrar o sol voluptuoso das manhãs encaloradas e a promessa de paixões ardentes das noites estreladas. Uma janela que permitisse os vôos de meus sonhos de escritor sem textos, quando olho para algum lugar distante e enxergo idéias que, quem sabe, um dia, vão virar escritos. Enfim, uma janela daquelas de fazer abrir o espírito até mesmo quando o espírito estiver de janelas fechadas para si mesmo.

Mas a força do hábito me faz reduzir a idéia a um simples olhar desapaixonado. Ao que tudo indica, essa parede acompanhará minhas dúvidas e meus dilemas. Poderia, sim, um dia, abrigar uma janela. Mas eu temo que deixarei a parede de lado, como tantas outras propostas que não levei a sério. 

Pois também faz parte dos enigmas da natureza humana manter paredes que incomodam e sufocam. O esforço para contorná-las pode revelar novas possibilidades de paixões e sonhos. O esforço para imaginar janelas pode despertar a vontade de escrever novos textos.

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