O PRIMEIRO DIA DO HORÁRIO DE
VERÃO EM UMA ESQUINA DO LEBLON

Adilson Sobrinho

Os olhares se cruzaram acendendo pronta e rapidamente algo forte, incandescente que podia ser visto a olhos nus, um brilho inexplicável, um breve tremor de pernas, uma sensação incomparável de vontade e desejo, turbilhão de pensares.

Passou por ele em uma esquina do Leblon o que poderia ser chamado de 'anjo'. Fitou-a, estacionou seus olhos nos olhos dela e, o que lhe pareceu uma eternidade, foram poucos segundos de deleite e prazer, foi completamente retribuído, os olhos dela pareciam tentar olhar sua alma.

Se afastaram e incomodamente se perderam de vista, tinham destinos diferentes, ela bailarina, ele com seus computadores.

As boas imagens sempre ficam em boas lembranças. Ele era um sujeito bonitão, aos seus olhos, fazia-lhe o tipo, entre sapatilhas e malhas, guardava também a intensidade daquele olhar. Ingenuamente , desejou-o, mas rapidamente tirou essa possibilidade da memória frente a impossibilidade de uma nova aparição. Recostou-se sobre as tantas almofadas de sua cama e temeu pesarosamente o nunca mais, naquele momento amou, e viu uma vida que ia muito além da ribalta.

Na tela do computador desligado não via o reflexo de seu rosto, procurava pelo rosto que como um vírus instalou-se em sua memória. De onde surgiu aquela beldade, aquela era o seu modelo de mulher, por onde ela se escondeu durante todo esse seu tempo de existência, deveria tê-la conhecido no berçário da maternidade e quem sabe nos momentos do choro coletivo, consolá-la com um sorriso ou o mesmo cruzar de olhares.

É possível que ela goste de computadores, é possível que ela goste de quem goste de computadores, é possível que ela admire, é possível que ela ame, e é provável que ele nunca mais a veja, faca de dois gumes.

Como se voltar a mesma esquina do Leblon fosse o antídoto de sua ansiedade, apressou-se no pouco tempo que lhe restava, cronometrando os minutos para provocar sua chegada no mesmo horário do dia anterior, a primeira vez. 

Sol claro, 17:00 h. do primeiro dia do horário de verão. Plantou-se decididamente no mesmo ponto e se fez aguardar.

Ela detestava os ônibus, o trânsito e o calor daquele primeiro dia do horário de verão.

Havia calculado mal, com a lentidão em que os carros se deslocavam pela longa avenida, provavelmente não chegaria até as cinco em uma certa esquina do Leblon.

As horas passavam como nuvens, 17:05, 17:08, 17:10, era prudente que ele se mantivesse ali mais um pouco e um pouco mais calmo. Ela viria pela Delfim Moreira e dobraria, como que flutuando a esquina, afinal, mulheres sempre se atrasam, repetia isso como se realmente estivesse com um encontro marcado.

Uma passeata era o motivo do não andar do trânsito, pelo enorme pára-brisas do coletivo só se via faixas e cartazes que movimentavam ao som de palavras de ordem. 

- Hoje não, qualquer dia para reivindicações trabalhistas, mas hoje não, porque o comando de greve não me consultou? Preciso estar com urgência em uma certa esquina do Leblon.

17:30 h. Seria mesmo inútil continuar ali parado, o coração diminuiu de tamanho, a esperança também murchou. Ele como que não acreditando em mais essa ironia do destino, caminhou lentamente em sentido contrário ao da esquina, ainda olhou para trás algumas tantas vezes. Acabara de perder um amor sem nem ter dito , eu te amo, em uma certa esquina do Leblon.

17:30 h. Agora o trânsito fluía e ela sentada em um banco de ônibus, detestando grevistas em passeatas, quase próximo à fatídica esquina, olhou pela encardida janela e optou por não descer, não fazia mais sentido. O tempo não para e não abriu para ela uma exceção . Mudou de pensar e fez a opção do esquecimento. Quase foi feliz, acabara de perder um amor sem nem mesmo ter dito, eu te amo em uma certa esquina do Leblon.

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