SUZANA, MILENA E LUANA - FACA 
NÃO DE DOIS, MAS DE TRÊS GUMES

Gil Cordeiro Dias Ferreira

Rio de Janeiro, 30 de novembro de 1997

Madrugada de um domingo ameno

Uma Mitsubishi cruza a Zona Sul 

O Gringo freou bruscamente a L-200/2WD cinza prata, reluzente, a diesel, cabine dupla, em frente à porta do edifício onde residia o Chefe. Ele vinha em alta velocidade, como sempre. O Cantor já estava ali, e o Chefe já vinha descendo. Eram cinco da manhã. Eles jogaram as malas na carroceria da pick-up recém adquirida pela empresa e se dirigiram – Gringo ainda ao volante – para o entroncamento da Avenida Brasil com o acesso à região serrana, onde apanhariam o Jockey e o Führer , que residiam por aquelas bandas. 

Um dos cinco batizou o carro de Batmóvel, sem imaginar o que aquela Mitsubishi 95 viria a significar para todos eles, ao longo do projeto. Na verdade, ela seria a "alma" da empresa, tanto para os incontáveis serviços que prestaria – quando ela parava, as obras sofriam duramente – como para as trampolinagens que os sete amigos praticariam nas noites pantaneiras, e que fariam o pobre veículo tornar-se conhecido em Corumbá como símbolo de malandragem... 

Às seis e pouco estavam na Dutra. Na hora do almoço, já em S. Paulo, entraram na Castelo Branco. Cinco homens se revezando ao volante. Não estavam muito preocupados em fazer paradas para refeição. Queriam vencer rapidamente os quase 2000 Km até o Pantanal.

 

Dentro do veículo, apesar do ar condicionado, havia um certo desconforto. Dois na frente, três atrás, nenhum deles muito magro, o aperto era visível. Fumar, só nas paradas para reabastecimento. O Chefe era anti-tabagista convicto. Mas a conversa fiada era uma constante, - inclusive as velhas piadas do Chefe - amenizando a monotonia que sempre emoldura quaisquer longos deslocamentos terrestres.

Depois de Ourinhos, tomaram a Raposo Tavares, que conduz ao Centro-Oeste. As cidades paulistas iam se sucedendo – Presidente Prudente, Presidente Wenceslau, e por fim Presidente Epitácio, à margem do Rio Paraná, na divisa com Mato Grosso do Sul. Cruzaram a ponte, entrando em Porto XV, daí a Bataguassu, e, ao anoitecer, estavam em Campo Grande. Treze horas de viagem. Um transeunte lhes indicou um hotel razoável. Acomodaram-se e, dali a pouco, já circulavam pela moderna capital do Estado, em busca de um bom restaurante. Decidiram-se por uma churrascaria – rodízio. E repetiram o cenário já vivido no botequim do Rio, ora festejando o empreendimento, ora manifestando, cada um, suas preocupações particulares com o mundo de coisas ainda por fazer. Mas sempre desenvolvendo acalorados debates, entremeados com o tradicional "traçado" de caipirinha com chope e muitos cigarros. Mas começaram a perceber que a qualidade dos comes e bebes já não era a mesma do Rio. A música também – ao fundo da churrascaria, um conjunto paraguaio tocava polcas e guarânias, que deliciavam o Cantor, mas aborreciam os demais. O linguajar e o sotaque dos habitantes locais lhes soavam estranhos. Sentiram também o velho problema das cidades do interior - o troco. E começaram a admitir que estavam entrando em um mundo novo, um tanto desconhecido para eles, ao qual deveriam se adaptar. E os problemas estavam apenas começando...

No dia seguinte, bem cedo, reiniciaram a viagem. Depois de Aquidauana, a paisagem começou a se modificar – estavam bordejando o Pantanal, que tem início, aproximadamente, na altura da cidade de Miranda, um pouco mais à frente. Dali por diante, até a margem esquerda do Rio Paraguai, onde deveriam embarcar na balsa, no porto de Morrinho, conseguiram observar vários animais, à beira da estrada. O dia estava chuvoso, e a pick-up deslizava um pouco no asfalto enlameado, assustando os passageiros. O Cantor, tentando criar um "clima", inseriu no toca-fitas um cassete de Sérgio Reis:

"E por esse caminho que eu traço / No meio do mato / Deixando um sinal / Vou seguindo meu velho destino / Que sempre me leva para o Pantanal..."

- "Pô! Desliga essa merda!" Era o Gringo, querendo ouvir outras coisas. E mudou para o rádio. Um tremendo chiado começou, e ele foi rodando o dial, até sintonizar uma emissora de Corumbá, que tocava... Chitãozinho e Xororó. Ele desligou o aparelho com impaciência, abriu a janela e acendeu um cigarro, resmungando sobre a duração da viagem.

Por fim chegaram à balsa e puderam relaxar um pouco, esticar as pernas e apreciar a paisagem. Para o Cantor, era a segunda vez, em trinta dias, que cruzava aquele recanto. Para os outros, tudo era novidade, e a grande beleza do ambiente os entusiasmou. 

Por fim, iniciaram o último trecho da viagem. Sessenta minutos depois, entravam em Corumbá. Era o horário de almoço. Avistaram uma grande churrascaria – das mais antigas da cidade, segundo o Cantor – e, ao saltarem, foram abordados por um grupo de jovens estudantes, distribuindo camisinhas e panfletos ilustrados: era 1º de dezembro, o Dia Mundial da Luta Contra a AIDS. Rindo muito, encheram os bolsos com os preservativos e, mais uma vez, cumpriram seu ritual etílico-gastronômico, que seria uma das marcas registradas da empresa, nos longos meses que estavam por vir. Uma hora depois, instalavam-se no hotel, prontos a se avistarem com o Cliente. O grande jogo, para o qual tanto haviam se preparado, ao longo dos últimos dois ou três anos, estava, finalmente, prestes a ter início.

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Corumbá, Mato Grosso do Sul

Dezembro de 1997, primeira quinzena.

Muita chuva. E muito calor depois dela. Inclusive o humano.

O Batmóvel cruzou o pórtico das instalações do Cliente. A segurança não os incomodou. Já eram esperados. Incrível, como num lugar tão longínquo e pouco desenvolvido, podiam existir instalações portentosas como aquelas. Herança, por certo, de áureos períodos econômicos anteriores, quando o comércio por via fluvial era a tônica da região.

O Patrão os recebeu com entusiasmo. Empenhara-se a fundo no projeto de remodelação daqueles dois navios. E passaram a tarde conhecendo em detalhes o Estaleiro, onde dentro em pouco montariam seu canteiro de obras, e os próprios navios, com cujos Capitães estabeleceram um bom relacionamento. Até então, tudo eram flores. Detalhes administrativos eram resolvidos com facilidade, ao menos teoricamente. Agora, era ir à luta.

A noite era promissora. O Patrão tinha mesa cativa no point mais badalado do momento – um restaurante-bar italiano, com música ao vivo, na parte elevada da barranca do rio Paraguai, o que era fundamental – os mosquitos não chegavam ali. 

O Cantor ainda não conhecia o local, mas era amigo dos proprietários, que haviam se radicado na cidade muitos anos antes, inicialmente com uma pequena Cantina, que logo evoluiu para uma grande Pizzaria; e agora, eram proprietários do lugar mais concorrido de Corumbá, muito bem montado, fresco, agradável, decorado em estilo rústico, com vista magnífica para o Pantanal e músicos de primeira linha – o Pimpinella. Ao entrar, logo foi reconhecido pelos donos e por um dos mais velhos e queridos garçons da cidade - o Zeferino, que já circulara por vários restaurantes dali, sempre marcando sua passagem com uma simpatia e uma presteza de atendimento inimitáveis.

Em cidades pequenas, os points costumam ter vida efêmera. Em Corumbá, nos anos 50 e 60, a jeunesse dorée – isto é, os filhos dos então milionários pecuaristas locais – freqüentava o La Barranca, também na parte alta da cidade, onde agora existia uma boite bastante moderna. Ao início da década dos 70, o "cetro" fora passado ao Cavu, que marcara época, aproveitando a onda do "Paz e Amor", dos "hippies", da "geração Pasquim" e do "milagre brasileiro". Lá por volta de 1976, surgiu o Chopão, aproveitando o momento em que a música dos Beatles, Rolling Stones, Bee Gees e outros passou a ser substituída pelo "pagode", pelo "fundo de quintal", pelo "sambão"- enfim, um retorno às raízes brasileiras. Já nos anos 80, seguindo a onda nostálgica desencadeada pela minissérie televisiva "Anos Dourados", um advogado local, que em sua juventude estudara no Rio – o que sempre fora um "must" obrigatório para o jet set corumbaense – abrira novo bar, a que dera o nome de um dos locais mais afamados da Cidade Maravilhosa, que ele freqüentara muito: a Taberna da Glória, que resistira até os anos 90.

O som macio e suave de um violão profissionalmente tocado chegou aos ouvidos do grupo. Uma voz que lembrava a de Gal Costa logo iniciou o canto de uma das músicas que mais os acompanhariam ao longo da estada no Pantanal: o bem-sucedido Palpite, de Vanessa Rangel:

"Tô com saudades de você, debaixo do meu cobertor / De te arrancar suspiros, fazer amor / Tô com saudades de você, na varanda, em noite quente / E do arrepio frio que dá na gente / Truque do desejo / Guardo na boca o gosto do beijo / Eu sinto a falta de você, me sinto só, e aí.../ Será que você volta / Tudo à minha volta / É triste.../ E aí.../ O amor pode acontecer / de novo p’ra você / Palpite..."

Imediatamente eles procuraram localizar de onde vinha aquela voz tão suave. Era Renée. Morena, alta, cabelos castanhos escuros muito longos, bem jovem, nem gorda nem magra, um rosto um tanto infantil, e um dom inato para cantar. Ao violão, o tímido e exímio Cláudio. O melhor instrumentista da cidade. Acompanhava quase todos os músicos locais, mas não cantava. Um terceiro jovem completava o conjunto: Dênis, no contrabaixo eletrônico, também um ás das cordas. Magro, cabelos longos e cavanhaque, o que lhe conferia uma aparência de D’Artagnan. Na mesa à sua frente, as esposas de Cláudio e Dênis, mais o filho pequeno deste, vigiavam-nos em silêncio. "Músico atrai sacanagem", pensou o Cantor. E ele bem o sabia.

Renée seria a terceira Sagitariana a cruzar os caminhos do Cantor. Mas naquele momento, ele não poderia sabê-lo. Ainda não tomara conhecimento da existência das outras duas – Sônia e a Rainha. Entretanto, Renée viria ser para ele o mesmo que Márcia para o Chefe: um amor platônico, jamais assumido por qualquer um dos dois. 

Renée era sobrinha dos donos do Pimpinella. Ajudava os pais a conduzirem uma pequena pizzaria, não muito distante dali – a única da cidade a utilizar forno a lenha, e, talvez por isso, a que fornecia a melhor pizza. Afinal, toda a família era de ítalo-paulistanos – gente que entende desse assunto como ninguém. Por vezes, após fechar seu restaurante, Renée cantava na noite. Cantava e encantava. Como encantou, naquele momento, os cinco amigos.

O Patrão continuava bastante entusiasmado com o início dos trabalhos. Pediu cervejas. Não havia chope, para decepção dos recém-chegados. A "cultura do chope" não se firmara ainda em Corumbá. A inexistência, até meados da década dos 80, de uma estrada de rodagem inteiramente asfaltada até Campo Grande, obrigara a que o abastecimento da cidade ocorresse, desde praticamente sua fundação, por via fluvial, e, a partir do início do século XX, por ferrovia. As viagens muito longas não permitiam o transporte de chope, que se deteriorava com rapidez, inclusive por força do intenso calor ali quase permanentemente reinante. Assim, durante décadas os corumbaenses se acostumaram a beber cerveja – tendo, inclusive, funcionado ali uma cervejaria, que fechou as portas por não suportar a concorrência das marcas mais afamadas. A "cultura da cerveja" assumiu um imenso vulto; e não apenas "da cerveja", mas "da cerveja estupidamente gelada", comumente armazenada não em geladeiras, mas em freezers ou em vasilhames com gelo, junto com os copos – uma das marcas registradas da cidade.

E entre um copo e outro, embalados pela voz de Renée, degustando um Pique a lo Macho - já que a temperatura ambiente não recomendava a ingestão do afamado caldo de piranha, de virtudes afrodisíacas, ao que dizem por lá – a noite foi passando. E eles se deram conta de mais uma curiosidade local: a vida noturna começa tarde – nunca antes das 21:00; e termina na madrugada. Com o passar do tempo, eles se acostumariam a esse ritmo de dormir pouco...

No dia seguinte, o Gringo e o Chefe retornaram ao Rio. O empreendimento seria conduzido em consórcio com outra empresa carioca, com a qual era imprescindível manter agora profundos contatos. Além disso, havia muitas outras companhias sub-contratadas, inclusive no exterior, tanto para fornecimento de peças como para prestação de inúmeros serviços específicos – projeto, controles eletrônicos, acabamento, ar condicionado etc. E a matriz, no Rio, era o centro nervoso de todas essas operações. Mas eles voltariam ao Pantanal, ainda muitas vezes...

A segunda noite encaminhou novamente ao Pimpinella o Jockey, o Führer e o Cantor, que procuravam se refazer do cansaço – o dia fora consumido em intensas atividades preliminares, técnicas e administrativas, nada fáceis, em virtude dos poucos recursos oferecidos pela região, em termos de fornecedores, prestadores de serviços e mão-de-obra. Muita coisa deveria vir do Rio, em contêineres. A isso se somava a grande carga burocrática decorrente da abertura de uma filial em Corumbá. Mas as expectativas eram grandes, sobre os resultados do projeto. Eles estavam exaustos, mas felizes e confiantes no trabalho. Por enquanto...

As esperanças do Cantor em rever Renée foram frustradas. Ela cantava apenas uma vez por semana. Naquela noite, apresentava-se Rodolfo, violonista, tecladista e cantor boliviano, especializado em boleros, dotado de uma voz muito suave, mais aguda que grave, que não combinava muito com seu porte meio agigantado. Capaz de dedilhar incrivelmente as cordas – usava unhas compridas, para isso – entoava famosos sucessos de Heidi Gourmet e Trio Los Panchos, como Perfidia, Media Vuelta, Sabor a mí e outros, para deleite da platéia, quase toda formada por conterrâneos seus – uma vez por semana, o Pimpinella promovia uma "noite boliviana", anunciada nas rádios daquele país, para expandir seu mercado além da fronteira.

Uma voz feminina chamou o Cantor pelo nome. Ele se levantou para abraçar Milena, amiga de muitos anos. Com ela, vinha Luana, de quem ele se lembrava apenas vagamente. As mesas do Pimpinella eram todas, apenas, para quatro pessoas. Ele as apresentou ao Jockey e ao Führer , convidou-as a sentar e acomodou-se sozinho na mesa ao lado.

Milena era branca. Luana, negra. Ambas professoras, balzaquianas, solteironas, altas e bonitas. Milena, entretanto, tinha filhos. Mais uma das marcas locais que eles estavam aprendendo – nascem muito mais mulheres, em Corumbá, do que homens – dizem que por força da alcalinidade da água...; e com a evasão destes, em busca de melhores oportunidades de trabalho, a proporção chega a vinte fêmeas para cada macho. Some-se a isso a baixíssima oferta de emprego para elas, e o resultado é que, na busca pela sobrevivência, o primeiro caminho que buscam é o de conquistar um casamento – se possível, "no papel", mas isso quase nunca acontece – e nessa guerra, tudo é válido, pelo que a quantidade de moças que não conseguiram maridos, mas ficaram com os filhos, ainda muito jovens, é imensa. 

O Cantor, efetivamente casado na terra, não iria se aventurar com pessoas mais que conhecidas de sua família. Muito menos elas com ele. Preferiu isolar-se, pedir mais uma cerveja e deixar que o papo rolasse naquele quarteto recém apresentado. Os amigos ficaram um pouco constrangidos pelo fato de ele não estar participando da conversa, mas ele sorriu e respondeu:

-"Aqui eu não fico sozinho por mais de cinco minutos".

Uma morena chegou à porta do Pimpinella. Olhou em todas as direções, até que seu olhar cruzasse com o do Cantor. Ela sorriu para ele e se dirigiu à sua mesa. Com efeito, menos de cinco minutos haviam se passado. A saia amarela muito justa e curta, o decote profundo, a maquiagem exagerada e o perfume forte não deixavam margens a dúvidas; era como se em sua testa estivesse escrito – "Sou quenga" . Ele a reconheceu, e se sentiu bastante desconfortável. Era Suzana. Bem morena, "bugre", os cabelos muito negros indiscutivelmente alisados com ferro quente e brilhantina. O rosto ainda muito bonito, apesar das marcas deixadas pela vida que levava. Sem qualquer cerimônia, ela sentou ao lado dele, colocou uma das mãos sobre sua coxa , abraçou-o demoradamente e beijou-o no rosto. Ele, com o canto do olho, tentava observar os olhares das pessoas em volta – particularmente Milena e Luana. "Puta merda", pensou.

E lembrou-se de como conhecera Suzana. Filha de um velho funcionário seu, já falecido, e muito seu amigo, vira-a nascer e crescer. Dez anos antes, quando saíra de Corumbá, ela era ainda uma adolescente, e fazia sucesso nos bailes dos bairros mais humildes, com seu corpinho atraente. Não podia imaginar que ela houvesse virado puta. Conhecia sua mãe, ajudara ambas, depois da morte do pai. "Meu Deus, peguei essa guria no colo; agora é piranha; quê que eu faço? Essa galera toda ‘tá me filmando. Putzgrila!". E ela logo contou o inevitável – já estava com dois filhos. "Vai pedir dinheiro", ele concluiu. Mas ela pediu foi o drinque da moda – Amarulla, um licor sul-africano de frutas selvagens, com um pouco de gelo. 

Na outra mesa, o Jockey e o Führer ficaram espantados. Ele ouviu a voz do Jockey : "Pô, ele não tava de sacanagem, não; olha só o que ele aprontou". E percebeu também o riso disfarçado de Milena e Luana, que, na verdade, não o estavam reprovando por aquilo, mas apenas gozando-o pela enrascada em que aparentemente se metera.

Mas o interesse do quarteto pelo affair da mesa ao lado logo arrefeceu. "O papo ali está muito bom", pensou o Cantor. A certa altura, eles se levantaram. O Jockey ainda quis ser gentil:

-"Nós vamos levar o Batmóvel. Tem problema de você ficar a pé? Quer que a gente venha te buscar?"

O Cantor sabia que isso era inexeqüível. Pelo andar da carruagem, quando os quatro terminassem o que iriam fazer, ele já teria ido embora do Pimpinella há muito tempo. Deu uma risada e disse apenas que eles "ficassem frios". 

O sorriso irônico de Zeferino, ao trazer o terceiro Amarulla para Suzana – enquanto o Cantor não passara da segunda cerveja – deixou claro que era hora de retirar-se dali. Pagou a conta e chamou um táxi. Ela morava longe dali. No banco de trás, Suzana começou a trabalhar com as mãos, procurando excitá-lo. Fez menção de descer o zíper de sua calça, mas ele a impediu. Ela o beijava rápida e suavemente, mas ele se afastava. 

"Suzana, pára com isso; eu vi você nascer; comigo não rola nada, tenho mais do dobro da sua idade; vou entregar você para sua mãe". 

Ela se fazia de desentendida, e continuava a tentar seduzi-lo. A certa altura, desistiu, e avançou o esperado pedido de dinheiro. Ele nada disse. O táxi havia parado em frente ao casebre onde ela residia. A janela de vidros quebrados deixava passar uma luz fraca e bruxuleante – sem dúvida, de um lampião a querosene, muito comum nas residências humildes do Pantanal. Um matagal encobria o curto e estreito caminho que conduzia ao barraco. A porta se abriu, e ele reconheceu a mãe de Suzana, com uma criança ao colo. Evitou sair para cumprimentá-la. Condoído com tudo aquilo, abriu a carteira e lhe deu vinte reais. Ela sorriu, agradeceu, beijou-o mais uma vez e saiu do carro. Pelo retrovisor lateral, ele viu que ela ficara à porta, esperando que o táxi se afastasse. E começou a imaginar de que forma ele poderia impedir que ela passasse a localizá-lo, daí por diante, numa cidade tão pequena. 

"Perda de tempo", pensou. "Ela vai pegar mesmo no meu pé". E tinha toda a razão.

O táxi o deixou no hotel. Duas da manhã. O Jockey e o Führer já haviam chegado. Estavam acordados, conversando às gargalhadas. Eles haviam marcado suas primeiras "cruzes" na noite corumbaense. Para o Cantor, isso ainda levaria algum tempo. Mas não tanto quanto ele imaginava.

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