A
MORCEGO

Edison Veiga Junior

Feito sonar detecta tudo que é tátil de se pegar, tocar, apalpar, acariciar. Maior cego, refestela suas asas pelas brasas vermelhas de paixão: o que é uma coisa bela? Na escuridão latente, na lua cheia da gente, vampiriza-se e suga o sangue vermelho do pescoço sensual da moça que dorme tranqüila e sonha sonhos de amor na cama. Morcego:

- Não nego, carrego em mim a amálgama dor de ver verter sangue e ter prazer por cada gota que me sacia. O cálice sagrado. Meu segredo lhe agrada?

Agride. O sorriso matreiro da moça que revelava um sonho prestes a se converter em orgasmo vira um gemido, um ai, e agora o pesadelo é que ela é atracada contra a vontade. Saudade do instante imediatamente anterior. Alguma algema a ata à cama?

Morcego cabisbaixo. Morcego de cabeça pra baixo. Dependurado no teto, fino-trato, parece que traja um fraque suíço. Saboreia o sangue que escorre pelo canto da boca, saliva enquanto contempla a bela moça dormindo semi-transparente. Obra cumprida, só a marca dos dentes em seu pescoço. Vampiro:

- Firo a essência da vida porque persigo a alma. O sangue, organismo, não passa de adorno à minha missão. Uma hora eu consigo provar a todos, provando sangue visceral, vermelho, fogo, onde está o prazer.

Vermelho. O horizonte, vermelhando, anuncia o nascer de novo dia. Hora de ir embora, abrir as asas, dar adeus ao nada-testemunha. Amor cego é morcego: mama e voa.

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