CRUELDADE
Mairy Sarmanho

Sou negro. Costumo permanecer escondido durante o dia: a luz que atravessa a vidraça me perturba. Sou ave. Tenho longas asas que me permitem alçar vôo quando a noite chega. Sou fera: possuo dentes capazes de perfurar o pescoço de quem se aproxima distraído. Sou vida: permaneço feliz no ecossistema que a natureza organizou.

Mesmo assim, quanto lhe vejo, meu corpo se contrai de medo.

Você é algo diferente de mim: cruel, omisso, diurno e destruidor. Sente-se ameaçado apenas por minha presença que nada pode contra você. Inventa histórias cruéis sobre minhas idéias, me caça, me prende, me mata. Você é meu predador.

Sou anjo. Estou morto na calçada e você se afasta, repugnado.

Sou diabo. Vou cobrar a dívida nem que, para isso, tenha de ir ao inferno: você destruiu tudo o que me agasalhava, confortava, alimentava, protegia, extasiava... Fez de suas palavras infâmias e de minha vida um terror. Mas horrível mesmo é sua alma: você é o humano, ao passo que eu sou apenas o morcego...

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