PORTUNHOL
Raquel Santos

Ensinar Língua Espanhola pode ser tão divertido quanto perigoso.

Comecei nesta carreira por uma simples necessidade de comunicação, ou seja, quando me apaixonei e comecei a namorar um argentino; o que me levou a apaixonar-me também pelo idioma. O amor pelo estrangeiro foi passageiro, mas eu e o idioma espanhol terminamos por nos casar.

Sempre dei aulas particulares e um dos meus primeiros alunos foi um sergipano. Confesso que foi um trabalho e tanto conseguir uma boa pronúncia do meu aluno, não que ele fosse um estudante desinteressado, ao contrário, foi um dos melhores alunos que já tive; mas seu sotaque dificultava a aquisição da pronúncia espanhola.

Se a Língua Portuguesa do Brasil já tem a característica fonética de vogais abertas e isso dificulta um pouco fechar as vogais para falar espanhol, imagina para um nordestino que acentua ainda mais essa peculiaridade da nossa língua. Mas com ele não tive problemas, uma vez feitos os treinos de pronúncia, ele assimilou muito bem a parte estrutural e lexical da língua espanhola.

Outro aspecto e que a maioria das pessoas sabe, há uma quantidade muito grande de falsos cognatos neste idioma em relação ao português e isso gera uma grande quantidade de equívocos e problemas de comunicação; outro problema é a tendência em inventar palavras parecidas ao português, e para terminar, as variações lingüísticas por ser este idioma falado em diversos países e cada qual com seu sotaque e léxico.

Lembro-me muito bem do vexame que deu uma amiga quando jantávamos em um restaurante argentino na época em que fizemos intercâmbio no país do tango e da rivalidade com o Brasil. Estava ela ainda aprendendo espanhol e falava na verdade “portunhol”, o que ajudava bastante a comunicação com nossos amigos “porteños”, mas naquela noite, ela não escapou das piadas e risos daqueles que já procuravam motivos para brincar conosco, os brasileiros.

Era uma mesa grande, jantávamos mais de dez pessoas, entre elas: argentinos, paraguaios, brasileiros e espanhóis. Enquanto todos se serviam, minha colega que quer a concha para se servir de sopa, fala em alto e bom som: “Pásame la concha, por favor”. E todos começaram a rir de tal maneira que não se agüentavam. Ela sem entender nada, olhou pra mim procurando uma explicação, e eu quase não consigo lhe dizer que “concha” em espanhol e mais precisamente na Argentina é uma palavra muito vulgar para definir o órgão sexual feminino da mulher. Imagine a cara dela né?

Outra ocasião foi quando trabalhava como tradutora e intérprete em uma ONG e tinha sob minha responsabilidade um grupo de jovens espanhóis. Sabe-se que no Brasil não colocamos os pronomes na norma que manda nossa tradicional gramática, por isso é mais fácil “errar” na colocação pronominal em outro idioma, principalmente em um que é tão parecido ao nosso.

Moro na Baixada Santista e aqui temos o costume de usar o pronome “tu” conjugado em terceira pessoa; mas ultimamente é um tal de tu pra lá e tu pra cá, que às vezes escutamos frases assim: Comprei um presente para tu. A mesma construção é praticamente abominável na Língua Espanhola, e no costume de falar dessa maneira, conversando com minha amiguinha espanhola, eu disse: “Compré un regalo para tú”. De repente sinto um tapa muito forte no meu braço e a garotinha me dizendo: “¡Te pareces una niña pequeña hablando! Se dice: Compré um regalo para ti.”. Depois desse dia, vi que realmente tinha que estudar muito espanhol se eu desejasse ser uma boa professora.

Nesta mesma ONG, alguns anos depois, ainda na minha função de tradutora e intérprete, só que desta vez de um grupo de chilenos, quase fui taxada de maníaca sexual. Um dos integrantes do grupo do Chile estava passando mal e eu o levava rapidamente para a enfermaria, quando em um dos corredores do alojamento encontrei um colega brasileiro que me perguntou como eu estava e de imediato respondi: Correndo, correndo, correndo!. O chileno que era casado virou-se para mim assustado e disse: “¿Conmigo? ¡No, no!”. Isso porque no Chile, “coger” (que se pronuncia igual ao português) pode significar além de “pegar”, também “transar” (ato sexual).

O mais interessante, no entanto, é ensinar espanhol para adolescentes em escolas de Ensino Fundamental e Médio, pois eles não só inventam palavras, como fazem as frases mais mirabolantes possíveis.

No meu percurso nas escolas, e já na primeira reunião de pais, avisava que aprender o idioma espanhol era ter que conviver com palavras absurdamente estranhas e inclusive com algumas que para nós soam como palavrões. Aviso dado, começo para a parte prática, o que às vezes não sei se rio ou se choro.

Se vou explicar que “porras” em espanhol é o mesmo que churros em português, os alunos que já aprenderam o vocabulário de meio de transportes sabem que “buseta” significa micro-ônibus; e inventam uma frase assim: “¿Comes porras en la buseta?”.

Quando explico que “tarado” é idiota, “saco” é paletó e “pelado” é careca; eles criam a seguinte situação: “Ahí viene um colombiano pelado y tarado com su saco en la mano, comiendo porras y corriendo para agarrar la buseta”.

É complicado dizer que os espanhóis tomam água no “vaso”, gostam de comidas “exquisitas”, assistem “clases” na “aula”, assinam cheques com “lapicero”, quando não comem são “débiles” ou ainda, que as espanholas sempre que estão “embarazadas” vão ao médico.

Por este motivo, eu entendo perfeitamente quando meus alunos inventam palavras ou frases na hora da prova ou da conversação. Só não sei se o fundador da Real Academia Espanhola perdoaria ao ver o chileno virar chinelo ou ao ouvir: “Yo soy espiertito y tuemo um puequito de cueca-cuela en el copón”.

Kel Santos
Pela legalização do idioma “portunhol”

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