PÁLPEBRAS DE AGAMENON
Paffomiloff

- Agamenon está muito doente e... - disse o chefe do canil, acariciando o velho cão.

O apanhador entendeu que a frase incompleta era uma sentença de morte, e sabia o porque das reticências.

O cachorro sempre acompanhava os funcionários do canil. Todos sabiam, sem qualquer sombra de dúvidas, que Agamenon entendia cada palavra que se dizia perto dele.

Talvez até tivesse percebido a sentença, pois uma lágrima escorreu de seus olhos cegos e doces.

Caminharam para a sala mais bonita, onde a janela mostrava a rua movimentada, que Agamenon gostava de olhar, enquanto enxergava. Um bom lugar para se morrer.

O chefe preparou a injeção letal. Mas o apanhador deteve-lhe o braço.

- Chefe, ocorreu-me que Agamenon nunca ficou sozinho.

Os dois pararam como estátuas de gelo, olhando-se mutuamente. Não conseguiriam agüentar os últimos momentos do amigo fiel, que, por sua vez, não merecia morrer só.

Pela janela, podiam ver um garoto fazer malabarismos com três bolas de tênis, para os carros retidos pelo sinal.

O chefe tapou a seringa, para não desperdiçar o conteúdo, colocou duas notas de cinco na mão do apanhador, que correu para fora do canil, voltando poucos minutos depois, com o pequeno malabarista.

- Sente-se nessa poltrona - pediu o apanhador, ao garoto. 

Agamenon acomodou-se junto ao pequeno malabarista. Tremeu um pouco ao receber a agulhada, mas depois se acalmou.

- Os outros cinco, garoto, você recebe quando terminar o serviço - explicou o chefe.

- Mas... o que eu faço?

- Converse com ele - sugeriu o apanhador.

- Conversar com um cachorro?

- Shhhhh! - repreendeu o chefe - esse cachorro entende tudo que se fala!

- Mas o que eu vou dizer a ele?

O chefe coçou a cabeça e depois decidiu:

- Explique como faz malabarismos com bolas de tênis.

Num afago amistoso, o chefe e o apanhador despediram-se de Agamenon, antes de sairem da sala.

O pequeno malabarista suspirou, sem saber por onde começar. Mas primeiro decidiu agradecer, murmurando perto da orelha do cão:

- Sua morte está me rendendo dez pratas.

Para surpresa do menino, o cão deu-lhe uma lambida curta no rosto.

Ciente, sem qualquer sombra de dúvidas, que Agamenon compreendia tudo que era dito, o garoto falou baixinho:

- Começamos a aprender com duas bolas, que é mais fácil. Veja: a direita vai pra cima, e a esquerda passa pra outra mão. Um amigo meu é canhoto e faz ao contrário... com que pata você escreve? Bem, isso não faz diferença, o que importa é que...

As pálpebras de Agamenon foram se fechando lentamente sobre os doces olhos brancos.

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