A NOVA ARMA DA VOVÓ BIM LATEM
Fernando Zocca

CAPITULO I

Parecia que tudo estava esmaecendo. As baterias fixas de assédio, já não despejavam estrondos contínuos durante os momentos estratégicos. As galináceas que compunham a força aérea não cacarejavam mais as metralhas nos ataques relâmpagos e o exercito de incendiários incumbidos de sufocar aquelas nódoas sociais andava meio desbaratado.

Por isso a vovó Bim Latem convocou pelo rádio, uma reunião do seu estado maior. Compareceriam somente os membros da diretoria, quero dizer, do seu ministério... das desavenças. As mensagens lançadas no ar convocavam Val o Terrível, Isa a Morféia, e Kol da Mumunha. 

Bim Latem preparou o quintal onde, com um churrasco suculento receberia os convivas. Checou o som, mandou lavar a piscina e com um sonífero poderoso aquietou aquela sua cadela esquiva de ladrido agudo e perfurocortante. 

O começo da reunião estava programado para o momento exato em que se iniciaria, naquela sexta-feira, o Jornal Nacional. Indagada sobre o porquê da simultaneidade com o telejornal,a vovó foi evasiva na sua resposta. Com um muxoxo e voz baixa que lembrava solilóquio, fez intuir que era pra dar sorte. 

Os convocados foram chegando e depois dos cumprimentos formais na recepção, acomodaram-se à vontade na sala ampla decorada caprichosamente com tapetes e sofás supimpas.

A cachorra, apesar dos efeitos entrevadores da medicação, xeretava entre os sapatos das visitas. E se não fosse por alguns pontapés disfarçados, tomaria logo a liberdade para umedecer, com a sua urina, aquelas meias desconhecidas e de certa forma ameaçadoras.

Quando começou o telejornal, a vovó exacerbou a intensidade da música sertaneja que vibrava no quintal, de modo que aquele encardido que morava ao lado não pudesse ouvir a tevê sem aumentar até o último volume o som do seu aparelho velho.

Dispostos num semicírculo deu-se início à conferência em que a vovó tomando a palavra foi logo dizendo:

- As forças de combate a esse chato de galochas perderam a intensidade. O moral das tropas está baixo e as deserções estão desmilingüindo os exercitos. Os cães já não latem mais, os galos e galinhas recusam-se a emitir um pio sequer e a turma do isqueiro louco anda jururu. Por isso quero passar a vocês um livro de ouro com o qual desejo levantar fundos para enviar um grupo de cientistas a um cemitério norueguês.

- Mas vovó ... - interrompeu Val o Terrível - isso vai ficar muito caro! Imagine, mandar um grupo de cientistas para a Noruega. Ora veja. A senhora deve estar louca mesmo. 

- Fecha o beiço! - esbravejou Isa a Morféia. - Espere calado para ouvir tudo o que nossa mestra tem a dizer. Que puta cara chato meu!

Val encolheu-se no sofá. A cadela aproximou-se dele e ensaiando sentar-se para fazer pipi, recebeu um chute na bunda.

A vovó continuou:

- Na verdade não são cientistas, na acepção correta do termo. São homens que entendem de cemitérios. Foram coveiros espertos. E a viagem não vai custar assim tão caro como pode parecer à primeira vista.

- Seja mais explícita minha honorável mestra. - O tom da voz de Val era irônico.

Isa interferiu:

- Val, meu filho, você quer parar de atormentar?

- É essa maldita cachorra que não larga do meu pé. Você não está vendo? - projetou ele. 

A vovó continuou:

- O nosso objetivo, como já disse, é um cemitério norueguês que está debaixo de uma camada grossa de gelo nos confins do ártico. Lá existe um tipo de vírus que causou a pior e mais terrível pandemia da história. Entre setembro e novembro de 1918 a gripe espanhola matou 20 milhões de pessoas. Aqueles agentes bacterianos serão fatais contra esse endemoninhado que mora aí ao lado.

Levantando o dedo indicador direito, como fazem os colegiais para chamar atenção da professora, a fim de serem ouvidos, Val o Terrível expectorou:

- Como é que esses caras vão fazer para capturar os bichinhos que vivem nos cadáveres congelados, Bim, minha mais querida e saudável nona?

Kol da Mumunha, que permanecera calado até aquele momento percebeu que seus miolos intumesceram-se, e que a respiração acelerava-se sob o batido surdo e tenso do coração. Enfiou as unhas no braço da poltrona. Rangeu os dentes e disse:

- Val seu chato! Eu sabia que você não passava de um espírito de porco. Mas está agora além dos limites. Contenha-se!

- Que chato nada! Eu preciso saber como vai ser aplicado meu dinheiro. Você pensa que é fácil viver da venda de CD pirata?Os nego tão caindo de pau. Não é assim não mano!

A vovó bateu nervosamente o isqueiro na mesa chamando a atenção dos presentes e prosseguiu:

- Sob a tundra os corpos permaneceram congelados. São cadáveres das pessoas que morreram infectadas. Todos acreditam que os agentes mórbidos ainda estão íntegros por causa do gelo. Com sondas especiais retiraremos amostras do material e em nossos laboratórios reavivaremos os agentes infecciosos. Eles danarão a saúde desse ciclista exdrúxulo, amorfo e comedor de bananas. 

Como se tivesse algo que o cutucasse por baixo, Val o Terrível não parava quieto no assento. Agitadíssimo ele queria saber tudo e por isso perguntou:

- Vó...Como é que vocês vão fazer para tirar os bichinhos de lá e coloca-los no safado destruidor da musicalidade ressurgente?

A vovó demonstrando a paciência que se deve ter com as pessoas das quais se depende financeiramente, limpou a garganta e gentilmente prosseguiu:

- Parece-me que os microrganismos serão desenvolvidos e proliferarão nas culturas nutritivas especialmente criadas para esse fim. Mais detalhes técnicos eu não posso fornecer. Se o fizesse poria em risco o sucesso do projeto. 

Naquela altura da reunião terminara a exibição do telejornal. A vovó deu por encerrada a cimeira. Todos agora passariam para o quintal onde, ao lado da piscina deglutiriam o churrasco esperado.

A cerveja foi servida. A carne queimando sobre o carvão projetava partículas aéreas que seriam apreendidas pelas narinas do vizinho mal quisto. 

Ninguém sabia ao certo como os planos da vovó se desenvolveriam depois que ela tivesse a posse dos vírus mortíferos.

Em volta da churrasqueira, mastigando um pedaço generoso de picanha, Val considerou a quietude harmoniosa do ambiente como chateza adstringente e por isso resolveu detonar:

- Puta carne dura!

- Dura nada. Seu chato! - rebateu rapidamente a vovó que estava atenta às reações. 


CAPÍTULO II

Serenados os ânimos, Isa e a vovó se achegaram uma da outra para concordarem sobre as inconveniências de Val. Ele estava mesmo terrível. Para agüenta-lo eram necessárias doses maciças de paciência.

- Vó, eu tenho uma coisa para dizer à senhora, mas não sei como começar. - Isa tentava preparar o espírito da septuagenária para um assunto nunca dantes discutido.

- Fale, minha filha, o que sucede contigo?

- Eu tenho um vizinho que fica "janelando" quando saio ao quintal para tomar banhos de sol. É uma situação constrangedora. Não sei o que fazer. O que a senhora sugere?

- Bem, minha jovem, eu conheço uma estratégia que pode dar certo. Faça assim: vá normalmente para o seu banho matinal de sol, com as vestes mais sumárias possíveis. Mas na toalha, deve levar uma tesoura enorme, dessas com as quais se podam galhos nos trabalhos de jardinagem. Quando então você perceber que está sendo observada, repentinamente tome o instrumento e com um golpe certeiro decepe o ramo de um vegetal qualquer deixado por perto. Quem sabe o voyeur se acanha e pare com isso. Tente. Se falhar, te mostro outra artimanha. 

E assim, nesse diapasão chegou a madrugada. Passaram-se os dias, as semanas, os meses e depois de um ano completo do término daquela churrascada, os sintomas da malignidade da vovó Bim Latem começaram aparecer. 

As pessoas da vizinhança ficaram doentes. As autoridades sanitárias vacilavam em classificar o surto como epidemia. Dentre os acometidos pela doença estavam o ciclista e sua família.

Ninguém sabia que a vovó, juntamente com outro apaniguado seu, conhecido apenas como "espanhor lôco", tinham desenvolvido uma raça de Culex agressivo e nutrido essencialmente com os humores mórbidos extraídos dos cadáveres. 

Surgiram miríades, enxames terríveis e monstruosos de pernilongos especialmente equipados com aquelas trombetas zunideiras afiadíssimas. 

Nos arquivos do "espanhor lôco", as anotações davam conta de que existiam dois tipos básicos daquele projeto perverso: O primeiro denominado PS45DB, era já obsoleto. Os testes de pré-lançamento indicavam que as cobaias submetidas ao assédio desse modelito criavam rapidamente anticorpos contra as injeções salivares dos zunidores sacanas.

O modelo terrífico era o P13T. Contra esse, meu amigo, ninguém ainda sabia nada com que pudesse minimizar os malefícios prováveis.

Depois de alguns meses em que as esquadrilhas daquela mais nova arma da vovó Bim Latem dominaram os céus da cidadezinha mortiça, a mortandade foi surpreendente.

Os médicos, desesperados, receitavam canjas de galinha como remédio e por isso a procura pelas aves aumentou. Houve até saques aos supermercados e granjas. Naquele bafafá era só pena que voava. 

Realizada com o sucesso do seu projeto, pode a vovó rir desbragadamente, provocando a catarse daquelas lembranças e sensações horríveis que lhe causavam o fracasso da experiência com o seu primeiro homem bomba. 

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