BISCOITOS E CAFÉ
Bárbara Helena

 
 
Dez para as dez já!?... e o coitado ainda não chegou do trabalho?!... isto não é vida, é escravidão... Ele falou que ligava assim que saísse... Meu corpo todo arde à espera dele, o coração bate descompassado lembrando as nossas noites... Ele deve estar lá, pensando em mim... o rosto queima, as mãos tremem... ai, que loucura, amor... Tanta saudade do teu corpo!... Nossa! Dez e meia!... A coisa deve estar preta mesmo por lá... Meu pobre amor, naquele vigésimo segundo andar... Péra aí? Ele não tinha falado décimo-oitavo?... Não, mas antes era vigésimo-segundo tenho certeza... “ amor, eu aqui preso neste vigésimo-segundo andar, pensando em você...” ai, que importância tem? Vai ficar criando histórias por causa de quatro andarezinhos, mulher...? Quinze para as onze.. Existe trabalho até esta hora?... Claro que sim... o mundo não pára na hora do jantar, coisas continuam acontecendo, a multidão fervilha na calada da noite... o organismo se nutre e se esvazia sem cessar... E ele lá... Cercado de mulheres... Serão bonitas? Meia-noite e cinco... Uma delas se aproxima para ler a matéria, o cabelo escorrega no ombro distraído, a mão esbarra na outra sobre o mouse... E os intervalos? Tem que haver intervalos pro café. Alguém traz biscoitinhos... Os olhos se perdem na mirada longa do cansaço e do desejo... Uma hora... Não, ninguém mais está trabalhando... a sala está vazia, dormem os computadores esquecidos... Estão todos no happy hour da madrugada, corpos enlaçados numa dança sensual, a música gemendo, a luz mortiça... para com isto, mulher, não delira... o coitado lá, se esforçando pra ganhar o pão duro de cada dia... pau duro... sim... ele deve estar assim, lá, no Motel Beira-Mar com ela, como antes comigo... abrindo a blusa, os dedos trêmulos e gelados, a boca quente sufocando os lábios que se entregam, mordendo o pescoço, descendo pelas ancas, brincando no umbigo, a língua procurando o lugar escondido... ai, Deus... pára com isto, já te disseram para não fazer literatura com a vida... realidade é realidade... mas são duas e meia e ele não liga... sei, tenho certeza que não há trabalho nenhum, só fêmeas sôfregas abrindo as coxas para ele...
 
Trrrrrimmmmm...
 

- Alô, amor... saí agora...

- De quem?... quer dizer... de onde?

- Como de onde? Do trabalho, amor... Tô morto...

- Imagino... 

- Você está esquisita... aconteceu alguma coisa?

- Nada... tudo ótimo... você vem pra cá?

- Não, amor, desculpe... bem que eu queria, mas estou cansadíssimo... deixa pra amanhã...

- Deixa pra nunca mais, Alfredo!... pode ficar com aquela vagaba do escritório e com seus biscoitinhos... que eu não sou mulher de happy hours muito menos de me entregar ao primeiro safado num Motel....

- Mas am... 

- Clic...

- Trrririiiiiiimmmmmmmm

- Cê ta maluca, mulher?

- ... só te digo uma coisa... nunca vou perdoar a mordida no umbigo... ah, esta foi a gota d’água... mordida no umbigo foi demais...

 
 

fale com a autora