MULHERES
Claudio Alecrim Costa

- Mulheres, mulheres, mulheres... Paulinho repetia como uma sentença enquanto já era impossível calcular a quantidade de chope que havíamos bebido. Tinha o Jardel, o Ronaldo Bidê e o Paulinho come-quieto, esse último um mulherengo irrecuperável, se é que existem homens que desejariam se recuperar desse tipo de compulsão. Mulheres baixas, altas, gordas, magras, gostosas, morenas, loiras, com cabelos longos, curtos...Poderíamos falar de outros adjetivos que se fossem enumerados cobririam distâncias inimagináveis. – Olha aquela ali... Nos chamou a atenção o Jardel. – Ela é gordinha... Criticou Paulinho – Mas tem qualidades. Olhem os seios. Parecem pêssegos recém colhidos...Houve uma algaravia na mesa e todos pediram uma nova rodada de chope. – E você Afonso? Chamou-me a atenção Ronaldo. – Eu o quê? Todos caíram numa sonora risada. – Ainda está com a Lucinha? – Ainda... – Você precisa variar mais...Recomendou Paulinho, o nosso especialista. – Eu gosto da Lucinha... Não sei se conseguiria uma mulher tão compreensiva... Mais risos. – Você acha que existe mulher compreensiva? – Claro! Respondi. – A Vânia vive dizendo que compreende meus problemas...Mas um dia fez um discurso na frente da tv sobre nossa relação e eu perdi o gol do Flamengo... Contou Jardel. – Elas estão sempre falando na hora errada...Filiou-se a causa Paulinho. – Olha as pernas daquela ali... Chamou a atenção de todos na mesa que quase virou pelo interesse, derrubando algumas tulipas. – Garçom, traz mais chope...Pediu Ronaldo. Eu já estava no meu limite. Levantei para ir ao banheiro e sai do bar por falta de direção. Mais risos. Meus sentidos tinham se limitado a reflexos retardados, dificuldade na fala e visão multiplicada. – Mulher vive dizendo que homem é tudo igual...Iniciou Ronaldo como se fosse falar de uma tese importante... – Qual a mulher que diz que homem tem qualidades? Elas estão sempre nos chamando de machistas ou de mulherengos... E elas? – Isso mesmo! Gritou Paulinho derrubando outra tulipa. – Eu acho que são umas insatisfeitas... Concluiu Jardel, deslizando a mão na enorme barriga. – Eu acho que tem mulher que generaliza demais... Tentei ser menos ortodoxo – A Lucinha nunca disse que todo homem é igual? Perguntou-me Paulinho soltando um bafo que me deixou mais embriagada ainda – Não. – Claro! Mas nas suas costas ela deve dizer isso toda hora... Aplausos. – Você está dizendo que a Lucinha menti pra mim? – Não! A mulher tem essa compulsão... Precisam falar mal de homens. Na presença deles procuram o romantismo... – Isso mesmo! Bradou Jardel em coro com Ronaldo. – Elas são tão sensíveis e nós monstros sem escrúpulos...Gritou Paulinho – Olha aquela gata! Levantou Jardel apontando para a rua. A mesa virou e Paulinho caiu da cadeira. Depois de tudo arrumado um silêncio melancólico tomou conta da mesa. Estávamos bêbados e não conseguíamos articular nossos pensamentos e Paulinho já tinha visto três vezes uma namorada, mas sempre apontava para um poste. – Paulinho, você namorou quantos postes? Risadas. – Não! É aquela ali... – É um frentista...Risadas – Aquela perto do sinal... – É um guarda! Risada geral, e Paulinho caiu novamente da cadeira. - Traz a conta, garçom... Aproveitei o resto de lucidez que havia sobrado. Uma mulher se aproximou e fez uma pergunta que ninguém ouviu. Estávamos privados da audição. Era preciso gritar com um bêbado. – O que a mocinha disse? Perguntou insinuante e com o queixo quase sobre a mesa, o Jardel. A mulher girou sobre os tamancos e saiu com cara de poucos amigos. – Eu não disse... Mulher é um bicho complicado! Falou academicamente o meu amigo Ronaldo. – Vamos! Sugeri.- Pra onde? Perguntaram-me os três tenores bêbados. – Eu preciso encontrar a Lucinha... Não deixaram eu terminar e pediram a saideira. – Eu preciso ir... Insisti. Paulinho fazia sinais desconexos e Jardel cochilava com o copo em suas mãos que giravam pelo ar magicamente sem deixá-lo cair no chão. – Olha aquele mulherão atravessando a rua! Gritou Paulinho e caiu da cadeira. Dessa vez ficou sentado no chão. Ronaldo tentou levantá-lo e deixou o prato de lingüiça cair. Jardel derrubou três copos que estavam congestionando a mesa e eu levantei para ir pela décima vez ao banheiro, mas terminei no bar que ficava ao lado. Quando voltei todos riam da minha cara. – Errou o caminho, Afonso? - Tem mulher bonita naquele bar? – Aqui só tem mulher feia...Todos no bar demonstravam irritação com a nossa mesa... – Agora eu vou mesmo... Decidi. Não me lembro bem, mas me despedi apenas de Jardel e Ronaldo. Onde estaria Paulinho? Caminhei sobre a calçada de onde podia ver pequenas ondas que explodiam na rua. O céu parecia mais baixo e as pessoas desfocadas. Ciúmes. Todos tinham ciúmes do amigo. Estavam me perdendo e eu a eles.

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