DE QUEM É ESTE TOICINHO AQUI?
Doca Ramos Mello

Na floresta, todas as tribos estavam alvoroçadas com a proximidade das competições cujo troféu significaria o "Grande Cocar da Chefia Suprema", a varinha mágica que daria ao vencedor o direito de comandar gregos e troianos, brancos e negros, católicos e evangélicos, ricos e pobres, índios em geral, etc. E a corrida prometia, em especial pelo fato de contar, pela primeira vez na história daquelas matas, com a possibilidade da presença feminina entre os competidores, na pessoa encantadora da índia "Olhos Amendoados de Sal", que pintava com favoritismo na preferência de muitos - era o nirvana!

Nos domínios de Olhos Amendoados de Sal, pois, a vida corria cheia de entusiasmo, com a moça nadando de braçada na frente de seus oponentes, até que, de repente, em uma oca de sua propriedade foram descobertos um milhão, trezentos e quarenta toneladas de toicinho altamente suspeito. Naquelas matas miseráveis, gente a rodo passando uma fome da gota, o surgimento inesperado de tanto toicinho de origem inexplicável lançou gravíssimas conjeturas sobre a lisura da conduta de Olhos, ressabiando meio mundo. De onde teria vindo tanto toicinho? Que toicinho mais estranho seria aquele? Quem teria enrustido o toicinho ali? Seria o toicinho legal? Que diabos fazia aquela imensidão de toicinho, devidamente empacotado e selecionado, abandonado simplesmente naquela oca? De quem seria o toicinho? Hummm...Sei não.

Olhos Amendoados de Sal providenciou um senhor bafafá por conta das suspeitas, bateu o pé, sapateou, teve um siricutico, esperneou, berrou, fez bico, e soltou uma série de explicações em cadeia, a saber:

1. Como assim "que toicinho é esse"? Não sei de toicinho nenhum, não vou àquela oca tem um tempão, ando assoberbada de ocupações, eu acho que isso é desespero dos meus adversários, preconceito contra a mulher, contra as tribos nordestinas, machismo arretado, inveja, ebó, coisa feita, sei lá...

2. Ô, minha gente, isso é só um toicinho normal, ora, naquela oca funciona uma empresa nossa, que vendeu aí outras oquinhas, coisa pouca, recebeu o toicinho como paga e ainda não tinha resolvido o que fazer com ele. Francamente, que bobagem falar disso agora, eu, heim...

3. Santa maledicência! Aquilo era o toicinho dos funcionários da oca, ali nós pagamos muito bem os empregados, e eles precisam comer, confere?

4. Não quero nem saber! Quem descobriu o toicinho que dê conta de investigar, e já, de onde ele veio. Exijo uma explicação, eu também quero saber que diabo de toicinho é esse, se virem! Ou vou acionar o "Grande Cacique Papai" e solto a ira dele sobre todas as tribos, vocês vão ver só, não mexam comigo. Pelo sim, pelo não, também já vou encomendar um breque nessa investigação, de modo que fica o dito pelo não-dito e acabou-se o que era doce, vão catar coquinho.

5. Quero todos os meus guerreiros fora dessa palhaçada! Quem não estiver comigo estará contra mim, lembrem-se, eu sou a número um, escravos de jó jogavam caxangá, tira, põe, deixa o canjerê ficar.

6. Quer saber? Qualquer oca nesta floresta tem toicinho armazenado - é crime ter toicinho na oca, é, é? Ah, combinado! Essas matas sempre foram um mar de ocas recheadas de toicinho selecionado e empacotado, qual é o problema, heim? Estou esperando a primeira pedra, vamos lá...

7. Ponto final. Ando muito ocupada com tanta coisa, a competição vem me consumindo, tenho lá tempo e condições de saber o que faz meu marido? Pois foi ele que recolheu esse toicinho, é coisa dele lá, vai se saber o que um marido tem na cabeça, meu Deus?! Ele mesmo já explicou, fez tudo com a melhor das idéias, queria me ajudar, pobrezinho, e as pessoas só sabem maldar as nobres intenções de um companheiro apaixonado, ô gentinha invejosa, mal-amada, mesquinha... Estão satisfeitos agora? 

Conclusões:

A. "Grande Cacique Papai" prometeu discurso e fúria.

B. O grande cocar foi arrastado na tempestade.

C. "Olhos Amendoados de Sal" fez como Jade, da novela "A Dança do Ventre do Muçulmano Doido": jogou o marido no vento...

Conjuntura Histórica:

Sepultadas as pretensões e corrido o tempo, Olhos Amendoados de Sal se recolheu à espera de ventos mais favoráveis. Abençoada por seu poderoso DNA, voltou depois a circular pelas matas, devidamente reverenciada. Sobre o toicinho, até agora, nem um pio - boca de siri perde.

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