MEDO E ESPERANÇA
Ly Sabas

Caminho em passadas normais, embora meus nervos digam para ir mais depressa. Essa luta entre a razão e a ansiedade, obriga-me a um controle mental que já ultrapassa o suportável. Procuro não olhar para os lados enquanto aperto os braços de encontro ao corpo, tentando tirar mais um pouco de calor da jaqueta surrada. Uma boina de cor indefinida esconde meus cabelos, que teimosamente escapam em cachos sobre as orelhas. A calça escura, de tecido grosseiro, arranha-me as pernas quando apresso o passo, obrigando-me a voltar à falsa tranqüilidade.

Ao chegar à esquina, paro e vasculho com cuidado a rua deserta antes de atravessar em direção à grande praça. As sombras, causadas pela iluminação precária dos lampiões, projetam-se nas alamedas provocando-me arrepios de insegurança a cada agitar da vegetação. Ao ruído característico de um ciclista, salto para debaixo de uma árvore florida e seu perfume inebriante retorce em náuseas meu estômago vazio. Estática, acompanho o distanciamento da bicicleta e de seu ocupante.

“Pronto, já podes seguir”, ouço perfeitamente o comando de meu segundo eu. Sem ele perderia o domínio da situação. Solto a respiração e examino a construção no final da praça. As paredes escuras da pequena igreja conservam ainda a beleza singela dos remotos dias. Afundando, mais ainda, o pescoço entre os ombros, lanço-me em direção à porta escura. A madeira antiga disfarça as dobradiças bem azeitadas e não faz ruído algum quando a abro e torno a fechá-la.

O silêncio sepulcral da nave deserta é aos poucos quebrado por gemidos longínquos, à medida que me aproximo da sacristia. Atrás da velha mesa, abaixo-me e levanto a tampa do alçapão. Estranhamente ele não está coberto por nada. A longa escadaria, cavada em pedra bruta e iluminada por lamparinas bem distantes umas das outras, leva-me terra adentro até uma grande gruta.

Acomodados em catres ou simplesmente em rotos cobertores jogados no chão, homens e mulheres, feridos, famintos e cansados, são atendidos por poucas pessoas que não dão sinal de notarem minha chegada. Sem dizer palavra, atravesso o local até a saída. Na noite sem lua, forço a vista para enxergar, além da praia, o mar revolto. “Falta pouco... já virão” – repito mentalmente, esfregando as mãos para aquecê-las. Caminho ansiosa, afundando as botas na areia. “Escute...” - diz uma voz masculina ao meu lado. Viro-me em sua direção e ele aponta-me o céu. Repete a ordem com mais veemência após alguns segundos. De repente, todos estão ali, até alguns feridos. Aos poucos o barulho torna-se ensurdecedor e o céu cobre-se de aviões vomitando pára-quedas. Do mar, chegam gritos de ordens e de motores. Perdendo o controle, nos abraçamos, rindo e chorando, num misto de medo e esperança..

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