POR QUE OS SINOS NÃO DOBRAM MAIS?
Ubirajara Varela

Para Jorge Henrique, havia mais coisas entre o céu e a terra, do que poderia supor a nossa vã filosofia, mas ele não era tão ingênuo a ponto de sair por aí discutindo os seus teoremas. Limitava-se a pensar, raciocinar, meditar com os seus próprios botões, conseguindo alcançar brilhantes deduções sobre o mundo dos homens.

Todo dia à tardinha, ele gostava de se sentar à porta da antiga capela de Santo Antônio, de onde se podia ver a cidade em paisagem panorâmica, e pensar. Era meticuloso. Andava sempre com um bloquinho de apontamentos e um lápis no bolso, para não se esquecer de nada. E, por questão de coincidência ou não, sempre que fazia alguma descoberta, os sinos dobravam, como que anunciando uma boa nova.

Jorge Henrique já tinha feito anotações sobre diversos assuntos: biologia, astrofísica, química, matemática, filosofia, até artes ele discursava em seu caderninho. 

As pessoas que o viam sentado na entrada da igreja pensavam que Jorge enlouquecera de vez. Achavam-no estranho, uma pessoa que fica falando e rindo sozinha, anotando sabe-se lá o quê num caderninho velho, isso não soava bem. Desagradava muitas pessoas; essa imagem de liberdade, de felicidade não era bem vista.

A princípio, por intervenção de algumas beatas fazedoras de novenas, tentaram afastá-lo do local, com o argumento de que denegria a boa imagem da cidade, pois a capela era muito visitada por turistas. Sem sucesso. Jorge não arredara o pé.

Tentaram a polícia, que nada pode fazer, pois ainda não era crime sentar-se à sombra da capela para meditar.

Porém, as pessoas não desistiram, não queriam um filósofo louco em lugar nenhum, quanto mais na porta da casa de Deus.

Afinal, decidiram-se por enxotá-lo dali, de uma vez por todas, as mesmas beatas fazedoras de novenas. Como a cidade era conhecida pela cortesia, Jorge não estranhara o café que lhe serviu uma dessas bondosas velhinhas.

Alguns acreditam que o café é uma bebida pecaminosa, que aquece os ânimos e conduz à tentação. Certo ou não, o fato é que haviam colocado veneno na bebida. E Jorge não suportou a dose. Morrera ali mesmo, na porta da igreja.

O caso teve alguma repercussão: mais aprovações do que reprovações, claro. Contudo, as pessoas logo se calaram, não sei se por vergonha da falta de virtude, ou falta de interesse mesmo, afinal, o falecido não passava de um louco, um filósofo. O que ninguém percebera, é que os sinos não dobraram mais depois daquele dia.

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