DIÓGENES - O QUÍMICO
Heringer

Chama-se Diógenes, e tem consigo um segredo. Sente-se inapto no mundo em que vive, afinal, vive uma farsa. Foi noivo por dois anos, o tempo máximo com que pôde enganar a pobre noiva e familiares de ambos. Já estavam com os convites de casamento impressos quando resolveu desistir. Não explicou as suas razões, e ninguém compreendeu coisa alguma. As más línguas falaram coisas, mas nada se provou.

Diógenes é químico. No seu armário, além das substâncias mendelevianas e impressos amarfanhados e de fórmulas esdrúxulas, ele guarda coisas inconfessáveis. Vive um drama. Um dia, quase que por acaso, achou numa banca de revistas uma publicação que iria mudar a sua vida, radicalmente... e para sempre, de nome: O Lampião. Dirigida ao público gay, havia nela uma seção onde pessoas se ofereciam e buscavam parceiros. Diógenes sabia que era exatamente isso que queria, mas temia a opinião alheia. A sociedade o assustava, a família o reprimia muito. Desejava abrir-se, soltar seus bichos e liberar os átomos e moléculas escondidos em seus armários, tubos e pipetas; e lá contidos, a muito custo - os níveis de temperatura e pressão eram quase insuportáveis. Antes que explodisse, pôs este anúncio na revista:

Procura-se um homem que seja sincero. Másculo, porém gentil. Que respeite no outro o desejo de encontrar o amor verdadeiro. Cartas e fotos para a CP 896. 

Assustou-se, uma semana depois, quando achou a caixa do correio - que alugara especificamente para tal - atulhada de respostas. Admirou-se mais, e nem se reconheceu, tão tímido era, quando um mês depois se viu saindo com outro homem, com quem manteve um relacionamento tórrido e escancarado. Esqueceu-se, anos depois, dos sonhos e idílios da juventude, quando então, ele ainda inocente, buscava pelo homem e amor verdadeiros. Agora, tinha tantas aventuras quanto as tênues ligações moleculares dos seus compostos hidrogenados. 

Abrindo o armário descobriu a fórmula rara e pretendida. Não ganhou o Nobel, mas ganhou vida. Não achou o homem verdadeiro; na verdade, achou outros homens: bons e maus, fiéis e infiéis, belos e feios, frios e ardentes, gente de carne e osso, de sua própria natureza. Desfez-se a ilusão. Já não buscava nada mais que não fosse o puro prazer e a felicidade, que sabia passageira. 

No afã de aventuras quase morreu. É HIV positivo. Toma atualmente um coquetel de comprimidos, que segundo os médicos, irão mantê-lo vivo e ativo por muito tempo. É pacifista e militante das causas minoritárias. Não se arrepende dos caminhos que trilhou e diz que faria tudo de novo, se lhe fosse dado escolher.

Hoje é professor de química num colégio local. Tem um caso público e notório. Já pensou em adotar um filho. Gosta de dizer aos alunos que a vida é quântica. E explica que a verdade é semelhante ao gato de Schrodinger. Pode estar e não estar onde você julga que deveria estar... e que às vezes está em ambos os lugares ao mesmo tempo. E diz que ele, por via das dúvidas, está onde desejava estar. 

E conclui: "Saí a procurar de um homem verdadeiro e acabei me encontrando". 

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