PROCURA-SE
Iosif Landau

PROCURA-SE, no O Globo, em negrito, bem destacado, PROCURA-SE HOMEM ATRAENTE, COMPARECER DIA... era hoje, o local uma boate nas cercanias da Nova Iguaçu, puta que pariu, às 22 horas, mais nada, não dizia a quem, nem o que... bem apessoado, o que significaria, bonito e alto? esbelto ou atlético? simpático? charmoso?... acendi um cigarro, precisava pensar... eu cultuava a arte da preguiça, vivia da pensão de uma tia, eu seu único herdeiro, dava pra comer, biritar, mulher eu comia de graça, sempre uma ou duas de reserva quando ficava na entressafra, eu era bom mas não era leão, de uma coisa eu tinha certeza, anúncio desse jeito só podia ser mulher, mistério, dava pra sacar — quem manda sou eu — e pra que ela precisava de HOMEM ATRAENTE? mordomo? garçom? motorista? segurança?... joguei o cigarro no cinzeiro, precisava saber, eu era de uma curiosidade doentia, levei meus oitenta quilos e meu metro e oitenta bem distribuídos ao banheiro, barba, chuveiro, o cabelo um problema, o deixava solto, ou o amarrava num rabo de cavalo, cara ou coroa, deu rabo... terno e gravata ou esporte? abri o armário, um único terno, feito de encomenda faz quinze anos, talho antigo, jaquetão quatro botões, cintado, vai ser terno mesmo, mistério pedia jogo de cena, Robert Mitchum num filme noir, eu o próprio, só faltava o chapéu, mas isso já era exagero... cigarros, isqueiro, identidade, dinheiro, olhei o relógio, quarenta minutos antes das dez, tempo de folga, desci até a garagem...

...sentou-se à minha frente sem mesmo um oi! eu ia mandar ela passear, tirar a bunda dali, não tava a fim de puta, mas o que podia-se esperar numa espelunca daquelas, aí ela falou... como tá, amor?... levantei a cara, trinta anos, morena clara, nem feia nem bonita, rosto limpo, nem mesmo batom, o corpo não dava pra saber sentada com estava reclinada sobre a mesa, mas deu pra ver um pouco do busto, o resto só adivinhando... não me reconhece?... eu devia estar com cara de babaca, sua risada cristalina encheu o recinto... mas o anúncio? perguntei por perguntar, a resposta com certeza uma mentira, mulher mente bem pacas, só não gosta que mintam pra ela... sabia que tu ia aparecer... como?... morre de curiosidade... e se eu não... ia colocar o anuncio até que... desisti, achar mulher ter mente lógica seria pedir muito... fui tua namorada no ginásio, você me deflorou... droga, em que séculos estavam, ainda se usava o termo deflorar?... deu a maior encrenca com o meu pai, ele queria nos casar, teu velho deu um jeito, amassou um poquito de nada teu sogrão e pra rebater comeu a mulher dele... o falecido era osso duro de roer, pena que morreu cedo, de repente me deu saudade, quase chorei no copo... mas isso já são coisas acontecidas, continuou ela, dá pra pedir um chope?... as lembranças mexeram comigo, o nome dela era Dolores, mudara bastante, se o corpinho ainda era aquele talvez compensasse a trabalheira, ela acendeu um cigarro, eu não disse nada, eu tava meio fora de compasso, aí ela veio com um papo meio furado, tipo... eu te amei tanto, você era tão legal... aí fiquei cheio e perguntei: o que quer afinal?... ela fingia não ter ouvido, bebia do chope, fumando, fazendo pose de vampe dos filmes mudos, tipo Clara Bow, cinema meu único vício intelectual, sabia tudo a respeito... fui ameaçada de morte, ela recomeçou o falatório... esse negócio de morte não era o que eu mais curtia, tentei mudar o rumo do papo e insisti: como tu me achou?... querido, foi Deus que me ajudou, tava pensando em ti quando... botou Deus na conversa, to fora... teu ex? perguntei... não, esse já sumiu da minha vida, me deixou a doce Carmem, seis aninhos, é meu namorado atual, bom sujeito quando não bebe, bebão ele gosta de bater, aturei umas duas vezes e trás de ante ontem o despejei lá de casa, joguei suas coisas pela janela, troquei a fechadura, mas ele liga umas mil vezes por dia e faz ameaças, diz que vai acabar comigo... olhei bem pro rosto dela, vi marcas arco íris, portanto não era mentira,... e o que quer que eu faça? perguntei de má vontade... não tava a fim de encrenca, meu dia a dia era um saco, mas tudo manso, tudo bem azeitado... quero que você dê um jeito nele... jeito como?... você sabe, convence ele... na conversa? não vai dar certo, esses caras nem entendem de papo civilizado... então de outro jeito... na porrada? nem pensar, tô fora... ela calou, eu fingi ela ser transparente, que nem existia, que não tava lá me olhando assustada feito freira quando vê padre sem batina, engoli minha vodka, deixei uma grana na mesa e me levantei, esse treco todo me cansara, tava moído, cansado mesmo, arrastei meus chinelos até o carro, ela atrás de mim e na hora de eu me despedir ela falou... fica comigo... a encarei, na meia sombra seu corpo ainda parecia estar com tudo em cima... não é para fazer amor, ela continuou, estou com medo de ficar sozinha com minha filha e ela o odeia, tem pavor dele... bom, pra bem da verdade, fiquei com tesão de repente, me lembrava do seu corpo de menina, dos seus seios rosados, da penugem entre as pernas... tá bem, falei, entra no teu carro que eu te sigo... eu devia ter perguntado onde morava, quando aquilo tomava conta dos miolos da gente não há mais espaço pra nada, bom, a segui pela Dutra, no trevo de Irajá ela pegou a estrada pra Petrópolis, eu já perdera todo o tesão, não curtia labuta pesada pra comer mulher, ou é logo ou então não dá mais pedal, quase dormi ao volante, segui as luzes vermelhas do traseiro do calhambeque dela, passamos pela entrada de Caxias, puta que pariu, ela foi em frente e eu atrás que nem otário, pra encurtar, entramos em Petrópolis, ela se embrenhou por umas ruas que nunca vi, aliás eu não ia por aquelas bandas fazia anos, meu negócio é maresia e chope no 1800, ela acabou por estacionar em frente a um edifício de três andares, saímos dos carros... vem, ela falou, é no último andar, onde a luz tá acesa, deixo por causa da menina e... aí escutei uma voz de homem saindo do escuro... teu novo cara? vai foder com ele?... vi uma picape surrada, faróis acesos e a sombra de um cara da minha altura com o dobro da largura, se arrependimento matasse, mas era só uma questão de tempo... entra depressa, falei pra ela, e chame a polícia... enquanto isso o animal aproximou-se... cara, não se meta comigo, gritei, fui sargento na PE, vou te machucar... não custava nada experimentar, podia colar, o cara nem tomou conhecimento, jogou o corpanzil dele em cima do meu corpinho e montou que nem em jegue, começou a me socar nas costelas, eu protegi meu rosto do melhor jeito que conhecia o que era nada visto que eu não entendia nada de luta, ele batia e eu me debatia, depois de algum tempo não senti mais dor, a própria dor protege contra a dor maior, isso até minha tia sabia, o cara vendo que eu não reagia com uivos e nem pedia soda, resolveu colocar as patas no meu pescoço e apertar, a vista empreteceu, aí meu anjo de guarda soprou no meu ouvido, os colhões! os colhões dele, tão a feitio! dito e feito, peguei no saco do cara e apertei pra valer, quase o arranco com todos os acessórios, o cara deu um berro, caiu do lado gemendo, encolhido feito um neném, me levantei e chutei, um e mais outro e mais outro, cem, mil chutes, parei cansado e eu já ia me mandar quando chega um carro da PM, bom, pra finalizar, o cara foi pro xilindró, eu pro hospital, três costelas quebradas, um ombro luxado e um joelho inchado, me levaram em casa de ambulância, mais tarde mandei rebocar o carro, me custou duas pensões da titia, fiquei de molho quase um mês, neca de praia, chope, mulher nem falar, e aí, num belo de um dia, já restabelecido, saí do supermercado e vejo uma picape surrada, um cara do tamanho de um armário cheio de embrulhos, uma criança rindo e pulando, uma mulher de óculos escuros, dava pra ver os hematomas roxos mal escondidos, durma-se com barulho desses... 

Moral da história, dei o terno de presente ao porteiro, cultivo o ócio ipanemense, não passo mais por nenhum túnel pra salvar mais mulher de surras e jornal com letras never more, só JN da TV e olhe lá, a não ser que apareça num daqueles anúncios luminosos com as seguintes palavras: PROCURA-SE UM OTÁRIO, PEDE-SE EXPERIÊNCIA. 

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