BLUE EYES
Rita Alves

Flávia abriu a porta do dia e foi recebida pela fumaça, pelo trânsito e o caos. Observou com seus olhos castanhos e vivos o quanto é maravilhoso morar em Sampa e respirar esse ar tão carregado de preocupações e combustível queimado! Pessoas circulando apressadas, cenho franzido, caras feias, rostos bonitos. Gente bem vestida, outras na sarjeta. Esta é Sampa, cheia de beleza e paradoxos. Como se despertasse de um transe, balançou a cabeça e saiu desses pensamentos. Estava num café movimentado da cidade. Leu as principais manchetes do jornal, folheou algumas revistas e tomou um capuccino. Sentia-se estranha, procurava por algo ou alguém que preenchesse aquele vazio que só as pessoas solitárias que moram em cidades grandes sentem. Ficou ali cismando quando percebeu um homem no balcão. Era alto, de trinta e poucos anos, cabelos curtos. Usava camiseta pólo azul marinho e calça jeans. Tinha as mãos grandes e bonitas, sua pele branca denunciava sua descendência européia. Surpreendeu-se rindo dos seus pensamentos: - Quanta beleza! Ah, Sampa dos mestiços, místicos e míticos! Seus pensamentos que estavam perdidos encontraram ali um alicerce. Gostava de observar as pessoas, os movimentos, os gestos, a voz. Mas estava adorando observar aquele homem em especial. 

De repente, ele olhou para ela com um ar altivo. Flávia baixou os olhos e sentiu o rosto enrubescer. Tomou coragem e olhou para ele novamente. Ele estava ali, observando-a. Ficou sem graça, desviou o olhar, virou o rosto, folheou a revista de novo e fingiu ler. Mas quando olhou em direção ao homem, lá estava ele. Estático e com um leve sorriso no rosto, olhando dentro dos olhos dela como se pudesse ver sua alma e ler seus pensamentos. Ele se aproximou e a cada passo que dava seu coração disparava descompassado, sentiu um frio na espinha. Ele puxou a cadeira e sem pedir licença, sentou-se. Flávia só conseguiu sussurrar um "oi", pois nunca tinha visto olhos tão azuis em toda a sua vida.

Seu nome era Edge, apaixonado pela história do mundo, homem simples e extremamente simpático. Flávia acabou sucumbindo ao desejo de tê-lo naquela noite e embora não tivesse certeza de que era certo ou errado, horas mais tarde estava no apartamento dele.

Edge trancou a porta e ofereceu-lhe vinho. Flávia aceitou, mas sua taça caiu no chão antes que provasse o sabor daquele velho e bom vinho italiano. Num golpe certeiro, Egde derrubou-a no chão. Ela queria gritar, mas sentiu as mãos dele na sua garganta, sufocando a sua voz. Flávia olhou para a janela e pensou como era difícil observar o céu, pois não havia tempo para contemplar as estrelas, mas elas também não apareciam para saudá-la. Em Sampa quem a saudava era a violência fria e cruel. Meninas nas esquinas, brutalidade nos faróis, cola no asfalto, desrespeito ao faminto mendigo, ciladas. E quem se importa? Isso já faz parte do cotidiano e ela já encarava tudo isso com uma censurável normalidade, simplesmente porque era utópico imaginar o avesso.

Refugiou-se nesses pensamentos enquanto olhava para aqueles olhos azuis, lindos e cruéis do seu algoz. Não se importava mais com os problemas do mundo, pois tinha encontrado a paz na morte.

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