MEU PRIMEIRO BEIJO
Luisa Jardim

Eu tinha 9 para 10 anos e tinha participado com o maior entusiasmo dos preparativos para a festa junina da escola. Sempre gostei de dançar (até hoje), mas aquela quadrilha era especial, afinal tinha sido convidada para dançar com o Marcos, por quem tinha estado secretamente apaixonada no último ano inteiro. Nós éramos colegas de classe e ele morava na rua paralela à minha, ponto obrigatório dos meus passeios de bicicleta.

Antecipando o momento da festa, eu já tinha imaginado que aquele era um amor para toda a vida. Seria impossível viver sem ele depois daquele dia. Nós nos casaríamos, moraríamos ali mesmo na vizinhança, teríamos dois ou três filhos, que estudariam na nossa escola. Tudo estava planejado. 

Depois de dançar a tão sonhada quadrilha, ficamos passeando na festa, visitando as barraquinhas, enquanto os pais estavam conversando do outro lado. E foi ali, no cantinho de uma barraquinha de doces, que, depois de dizer que agora eu era sua namorada, ele me informou "vou beijar você". Mais que depressa, fechei os olhos e esperei. Foi só um breve encontro de lábios, macio, carinhoso (meu primeiro beijo, um dos mais belos momentos de minha vida). 

Mas, nem tudo pode ser perfeito nesse mundo, não é mesmo?

Aquele momento, que era para ser guardado só por nós dois, tinha tido uma espectadora: Carol, a menina mais bonita e mais impiedosa da classe. Olhos verdes, cabelo loiro caindo pelas costas (os quais a mãe lavava com camomila para clarear, apesar da garota ter somente 10 anos) e vestida sempre na moda (enquanto as colegas usavam bermudas e camiseta na escola), ela era convencida de sua beleza e sempre dizia que, naquela escola de bairro não havia garoto com quem quisesse namorar. Ela queria nos fazer crer e eu, bobona, acreditava mesmo, que seus namorados eram meninos do Colegial de um colégio particular, onde estudava o seu irmão mais velho. Imaginem se garotos de 15, 16 anos namoram com menininhas de 10.

Cheia de risadinhas, e revirando os olhos verdes, Carol ficou nos atormentando, dizendo que ia contar para toda a escola que os dois "santinhos" estavam se beijando no escuro e nós seríamos castigados por estarmos namorando. 

Será que a gente sabia namorar? Não, se considerarmos os padrões de hoje. A gente quase nunca falava com o namorado. Naquele tempo, namorar era receber bilhetinhos, que eram cuidadosamente escondidos para a mãe não pegar, os olhares e sorrisos tímidos na classe, era puxar a melhor amiga e confidente para passar ao lado dos meninos, de modo a trocar uma ou duas frases com o eleito, guardar "para sempre" o papel do bombom que ele me passara na hora do lanche. 

Outro dia eu achei um desses papéis dentro de um livro de Monteiro Lobato, que eu tenho desde menina. Não sei quem me deu, mas desconfio de que foi o Marcos, pois fiquei muito mais tímida e medrosa depois do "flagra" da Carol e não me lembro de ter tido outro namorado naquela escola.

Voltando ao episódio, para fugir de sua vozinha esganiçada, eu me enchi de coragem e revidei: "você está com inveja, pois o Marcos é o garoto mais bonito de nossa classe, isso sim!"

Nesse momento, minha "melhor amiga" entrou no meio e me levou para o outro lado, para longe do Marcos e dela. Eu fui, mas ainda hoje ouço a vozinha dela me atormentando:

- Mais bonito? Hahahaha! Quem ama o feio, bonito lhe parece!

Acho que é por isso que eu acho esse provérbio horrível e de muito mau gosto. 

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