O BELO E O FEIO
Marco Brito

Sete e trinta da manhã. Chego ao meu escritório, sento em frente ao computador e aperto o botão verde do console. Enquanto a máquina enche o ar com seus zumbidos e a tela recheia-se de cores, levanto e dirijo-me até a copa para um cafezinho. Outra maquininha borbulha a água que cai num filtro de papel, arrasta o pó do café e impregna a sala com seu cheirinho característico. Sorvo um gole da bebida e olho através da vidraça a chuva fina e intermitente que cai lá fora. Do alto do prédio observo o termômetro da esquina marcar a temperatura de 8 ºC, um frio que não sinto, pois o sistema de climatização funciona perfeitamente bem mantendo uma temperatura agradável,regular e equilibrada. 

De volta à minha mesa, movo o mouse e clico para entrar na Internet. Em breves segundos conecto-me com o mundo e navego pelas manchetes dos principais jornais do país. Após ler as notícias mais importantes é hora de abrir o correio eletrônico, ler os email's, selecionar e responder aos que se fazem necessários e promover uma faxina mandando para a lixeira a maioria dos outros arquivos que servem apenas para entulhar a memória desmiolada do micro. 

O telefone toca e alguém do outro lado da linha me fala de uma imensa manifestação popular ocorrida contra a eminente guerra encabeçada por um lunático e apoiada por mais um e dois tão lunáticos e ambiciosos quanto o primeiro.

O resto do dia não é muito diferente dos outros dias das outras semanas. Reuniões de estratégia, discussões sobre custos, debates sobre vendas...

Chego em casa depois das vinte e duas. Deixo o carro, um modelo de luxo "última geração", na garagem coberta, e subo o elevador. Antes havia passado num hipermercado onde comprei uma garrafa de vinho, queijo, uma porção de salame fatiado, algumas frutas importadas, um salmão filetado... Passo pela cozinha, deixo as compras, abro o vinho, acendo a luz da sala e, no meio daquele amplo recinto, vejo-me em frente a um painel imenso que me mostra retratos diversos. Paisagens agrestes, vegetação retorcida, chão de barro rachado pela inclemência do sol, fotos de uma enorme barragem, de um rebanho de gado de corte. Ao lado das fotos um calendário todo marcado. Em branco, uns poucos meses por marcar e no espaço do último deles, ao lado de um par de botas usadas e de uma calça desbotada, enfiados e pendurados num prego, uma passagem só de ida e a certeza da volta definitiva à terra natal... Sem botões verdes, sem salas climatizadas, sem cafés instantâneos, mas com zumbidos de abelhas, balir de cordeiros, e o cheiro característico de liberdade.

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