ILUSÃO, QUEM PODE PAGAR?
Shirley Kühne

(Dei-te um desconto. 
Meu apreço!
Por que o fiz? Já faz tempo.....
Por que joguei tanta tinta nas palavras?
Era pra você se borrar todo.
Menstruação, secreção, porra, água salgada, 
cheiro de merda nas narinas.
Porradas maldadas, 
palavras malcriadas.
Sim,
na vadiagem de um luar que engoli junto com lágrimas,
morri um pouco, mas ainda tenho troco.
Podia ter me matado, mas não,
matei você.)

Quero lhe contar uma de minhas histórias más. Foi hoje, na hora do almoço. Passei debaixo de duas escadas. Fiz todo o esforço possível para desviar-me pelo meio delas. Foi proposital. Só para sacramentar o azar, o mal, qualquer coisa que me fizesse sentir ainda alguma coisa. Estava com um gosto azedo na boca. Quase uma ressaca. Me sentindo tão vazia; que até poderia deslizar pelas ruas sem tocar o chão ou voar pelo céu, mas não como Mary Poppins. Isso não. Vazia de sentimento bom. Fiz tudo de propósito, para sacanear mesmo. Você bem sabe o quanto de sujo e traiçoeiro se esconde sob a pele das ilusões. Está bem, vou dizer o que fiz, mas não me apresse. Contar a você é como se tivesse vivendo o momento novamente. Exatamente como fiz ao passar sob as duas escadas. Repassar com palavras é reviver aquilo que foi me açoitando e encurralando até o desfecho...... 

Tá!, é isso: detonei quatro anos de uma história de amor malvivida, malcontada e mal-acabada. Uma m........ de história que me roeu as entranhas várias madrugadas. Como? Entrei no e-mail dele e detonei tudo. Voou mensagem pra todo lado...... É ISSO!, NO E-MAIL DELE, do meu ex-amorzinho querido...... Se fosse para escolher algo que representasse a sensação que tive na hora, diria que foi a queda das torres gêmeas! Pois é, ele parecia tão intocável, superior, como aquelas paredes espelhadas mirando-se no rio Hudson. É esse o nome do rio que passa por Nova Iorque, não? Bem, não importa. Ao me ver com uma interrogação nos olhos, foi me dizendo, aparentando quase tristeza e com aquela falsa dignidade, que não nos veríamos mais...... É, foi hoje de manhã que “rompemos”. E o carro da outra idiota estacionado embaixo do prédio, a madrugada toda, enquanto fazíamos...... sei lá, sexo, amor, adeus....... Um belo carro importado esperando só as despedidas e palavras finais e ZAP; o levaria correndo para os braços de seu verdadeiro amor bacana e cheia da grana! Filho da puta. Então me lembrei que sabia como acessar o seu e-mail. Nunca tinha ousado. 

Entrei no cybercafé. Não, é claro que não fiz de casa! Queria estar na rua, em ambiente estranho. Me sentindo até observada fazendo aquilo. Lógico que deu um certo medo, mas também um prazer louco à medida em que ia apagando pastas e mais pastas. Minhas mensagens estavam bem-escondidas. As dela, não. Tinham pasta especial. Convites para viagens, almoços especiais, cartões virtuais. Lógico que ele não arquivava as respostas que me mandava. Lacônicas, irônicas e cheias de malícia........ Não ia guardar. Fui revirando assim o bolso virtual de suas roupas. A mulher traída, abandonada, que procura vestígios de sua fatalidade. Ao mesmo tempo queria saber quem eu tinha sido naquela vida em segredo. Porque eu não tinha a importância dela. Não tinha uma pasta com o meu nome. Eu ficava guardada no meio de mensagens cotidianas de fornecedores, colegas de trabalho e bobagens do tipo “correntes”, conselhos tolos...... Quatro anos e não éramos um casal. Só mais um "ele" e "ela" qualquer. Um embuste. Então quis destrui-lo um pouco também. Apaguei suas epístolas virtuais, suas lamentosas desculpas à outra quando estávamos juntos (ela também faria o mesmo se soubesse de mim, ou ....... até coisa pior. Gente granfa pode tudo!) Então descobri que existi pra ele algumas noites, na cama, entre beijos e papos-cabeça...... Violinos desafinando o meu cérebro, hhggggimmmmmmmm, hhgggggommmmmmmm, o tempo todo, e eu olhando para as pessoas no cybercafé e excluindo tudo, até que por último excluí minhas próprias mensagens. Fui lendo, chorando e apagando. Me apagando. Até não sobrar nada. Ficar oca. Olhando o nome dele na página do servidor. 

Como pude amá-lo intensamente anos a fio? Alguém mesquinho, mentiroso..... Uma fraude?! Foi em vão? Sei que um vão profundo desfiou meu sentimento. O fim mesmo você sabe? Não é com o botão delete..... Vou parar de chorar....... tá bem!? Não, não preciso de nada. Afinal, é só mais uma historinha de amor comum que pode acontecer com qualquer pessoa. Tenho outras histórias de ódio; são pequenas, concisas. Posso publicá-las, talvez..... Tanta gente passa melzinho nas palavras. Eu quero passar a minha bílis. Quem sabe um dia ele irá me ler.

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