QUESITOS
Ubirajara Varela

Durante toda a minha infância e grande parte da adolescência, eu ouvi minha avó contar ditados populares. Ela os associava a tudo, e conhecia muitos. Quando lhe perguntavam o que eram, ela dizia com propriedade e erudição, são afirmações concisas de uso corrente do povo e expressam as suas idéias e crenças pré-concebidas. Têm um caráter didático-moralizante, são arraigados no folclore e transmitidas oralmente.

Houve uma ocasião em que ela veio me participar o casamento de uma prima bastante afastada, cujos dotes físicos não eram lá essas coisas. Poderíamos até dizer que Deus não fora muito generoso com ela, era feia como uma trombada de caminhões.

Vovó falou do ótimo partido que a prima havia arranjado, um homem bom, de princípios e de posses, com ênfase nas posses. Naturalmente, ela não estranhou o meu repúdio ao dizer que o homem era um estúpido, coitado, para se casar com uma mulher daquelas.

Minha avó não perdeu a chance de tirar um de seus provérbios da manga, o que é isso, meu filho, não fale essas coisas, ela tem um ótimo coração, e quem ama de verdade enxerga o feio bonito. 

Caí na gargalhada, pois não existiria amor no mundo suficiente para encontrar beleza naquela jovem, nem com o mais certo dos refrões. Vovó (hoje eu penso que foi praga), dissera-me que um dia isso também poderia acontecer comigo. Quem desdenha, quer comprar. Ingênuo, caí na gargalhada de novo.

Passado um ano, a prima casou-se. Fomos à cerimônia, uma bela festa aliás. Principalmente depois que vi a mulher mais linda do mundo entrar no salão, graciosa e encantadora, tinha todos os quesitos necessários para o meu gosto.

Fiz o que pude para aproximar-me dela. Um primo que me acompanhava debochou da minha escolha, falou que eu estava tendo alucinações, aquilo não era uma mulher, mas um presente de grego.

Eu retruquei, que falta de tato, você não sabe apreciar uma flor quando a vê, ou melhor, você não entende nada de nada. E ele caiu na gargalhada...

Aproximei-me da garota e ficamos horas conversando. Ela era perfeita. Foi uma verdadeira loucura aquela noite: conversas foram, assuntos vieram, acabamos noivos. Estávamos tão entretidos um ao outro que esquecemos de tudo, da festa, das pessoas, éramos só os dois, até que meu primo veio nos tirar do sonho, vamos embora logo, amanhã tem trabalho, quem cedo dorme, cedo madruga.

Aquele refrão deu-me um estalo - alguns chamariam de insight, que me fez lembrar da minha avó, seus adágios, sua praga. Em tempo, desisti do namoro, do noivado, de tudo, não quis vê-la novamente. Nunca mais. Que loucura!

Minha avozinha que me desculpe, mas essa história de provérbios é um perigo.

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