LÁGRIMAS DE CAYMÁN
Francisco Pascoal Pinto de Magalhães

As janelas daquela alma eram de um azul da cor das águas do Caribe - um azul de calmarias que aprisionavam galeões ou de furacões que devastavam sem piedade o rosário de ilhas.

Mergulhei fundo. Buscava além da beleza dos corais e das conchas, o ouro das colônias em destroços de antigos naufrágios. E - principalmente - corações distraídos que se constituíssem em presa fácil. 

E corri todos riscos os desnecessários abordando, atirando a esmo. Uma delas respondeu à altura: 

"Bucaneiro de uma figa!! Não passas de um bucaneiro barato!" - acusou-me dedo em riste. E deixou-me a ver queimar meus navios e o meu filme de turista aventureiro. 

E eu ri cínico imitando os cafajestes. E era artificial como a natureza moldada a concreto na orla primeiromundista do balneário. Depois entornei um gole longo no gargalo do meu imaginário garrafão de rum barato das Antilhas e fiquei olhando as pernas das garçonetes índias fazendo de conta que de nada sabia.

"Otra Margarita, señor?"

Um dia em Cancún, podia ser Curaçao ou um carnaval qualquer em Cartagena das Índias... Salsa . O ritmo quente no sangue e a dança tresloucada dos corpos morenos na balada noturna. 

Perdi de vista o par de olhos azuis. Puseram grades de ferro temperado nas clarabóias da alma. Alma de cujas portas me foram negadas as chaves. Alma cujo tesouro resistiu a todas as minhas torpes ambições e intenções de pilhagem e saque.

Internamente debati-me fracassado na masmorra do remorso, enfrentando meus motins interiores sem ânimo ou força; que as águas dos meus olhos eram turvas, barrentas, sujas como as minhas mãos cheias de culpa - lágrimas de sal de um velho caymán desdentado lagarteando ao sol do penúltimo dia de um pacote de viagem.

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