UMA JANELA PARA A MORTE
Rita Alves

Ela se atirou da janela do seu apartamento. Ninguém conseguia entender os motivos que a levaram a cometer tal ato. Observando seu corpo nu estirado no chão, os curiosos cochichavam, outros faziam o sinal da cruz, uma senhora até desmaiou quando percebeu que a moça que estava ali era sua vizinha. 

Catarina era uma mulher de presença marcante. Tinha olhos castanhos vivos e brilhantes que contrastavam com seu rosto sério. E era dona de belas pernas. Pernas essas que levavam o rapaz do prédio vizinho, José Manuel, a subir pelas paredes.

José Manuel ficou desesperado quando soube de sua morte. Queria correr até lá e beijar sua boca, tocá-la pela primeira e última vez, mas não teve coragem.

Não queria guardar a imagem de sua morte. Queria apenas lembrar de suas pernas torneadas e de seus seios fartos que enfeitavam as suas noites solitárias.

Ele amava a noite e suas luzes coloridas. Morava sozinho no décimo quinto andar e sua terapia era olhar o horizonte. Observava a movimentação nos prédios ao lado, ria de algo inusitado, via sempre as mesmas pessoas na monótona rotina. Gostava de acompanhar o cotidiano alheio para não prestar atenção à sua própria vida. Numa dessas noites, seus olhos encontraram o corpo de Catarina. Nua andando pelo apartamento. Não acreditou no que viu. Embrenhou-se atrás das cortinas e deliciou-se. Isso fez com que mudasse a sua rotina. Todos os dias, no mesmo horário, ele ficava à espreita, aguardando o momento crucial. E a bela moça sempre aparecia, até o dia que ele se descuidou e ela percebeu sua presença.

Catarina chegava do trabalho no início da noite. Sua rotina era odiosa e sua vida era solitária. Estava farta da vida do jeito que ela estava. Sabia que sua beleza desencorajava os homens e provocava a inveja das mulheres. 

Andava nua pelo apartamento com as janelas escancaradas. Fazia isso para despertar o desejo de qualquer um que por acaso estivesse no parapeito de alguma janela do prédio ao lado. Imaginava que um dia receberia um telefonema, flores ou qualquer outro presente de algum admirador seu. Ou até uma bronca do síndico censurando a sua atitude. Mas nada disso acontecia.

Até que certa vez notou um homem observando-a. Seu coração inflamou-se e seu rosto enrubesceu, sentia vergonha e desejo. Havia atingido seu objetivo, mas fechou as cortinas. Porém, no dia seguinte, escancarou todas as janelas novamente.

José Manuel sentiu-se constrangido e nunca mais se escondeu atrás das cortinas para apreciá-la. Ficou com medo de que aquela moça pudesse mais tarde tocar a campainha do seu apartamento pedindo explicações. Foi difícil não cair na tentação e começar tudo novamente, mas resistiu. 

Quem não resistiu foi Catarina que interpretou o sumiço do rapaz como desprezo. Lançou um olhar triste e cheio de mágoa para a janela daquele que nem sabia o nome e jogou-se.

Catarina fechou as cortinas para a vida e abriu a janela rumo à morte.

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