B.
Eduardo Prearo

O receio de estar sendo ridículo sem o saber apossa-se de mim em alguns minutos do dia. Por que dono de desconfiança cega quando se é objeto de toda desconfiança? No momento vivo para o nada, não para Nada, a Mestra. As pessoas mais pobres, materialmente falando, não parece serem as menos econômicas, e a dureza da vida não advém do negativismo dos outros frente ao que se diz de si próprio ou frente ao que não se diz de si próprio. Cheguei a pensar que me individualizaria na China, mas dizem os evoluídos que mudar de lugar não resolve. Por que tanta solidão? Se semelhante atrai semelhante, e se atraio gente negativa, quando raramente atraio gente, conclui-se o quê?

Não possuo fogão nem espaço para um. Estou começando há quinze anos. Deus está entre as panelas...quem foi que disse isso? Costumo comer fora. É chique dizer "almoço fora". Almoçar ou jantar dentro, ou seja, no lugar onde se mora, sugere economia. O máximo da economia será alcançado.

Comi pizza num restaurante, estava tudo fechado, sem dar bola para as fomes futuras. Quase joguei-me no chão do restaurante para agradecer ao Ser Superior. Encontrei um clone meu na rua, estava bonito, vestido com calça e camisa nova, roupas que não comprei, não quis. Digamos que era um gêmeo, uma bilocação materializada, algo assim. Ele estava armado, pronto para me matar. Saí correndo, que burrice! Senti o impulso de correr de mim mesmo, daquele eu bandido, assassino, terrorista. Entrei num hotel, que extravagância, e depois pude ver-me da janela do quarto passeando na rua com uma metralhadora a tiracolo. Aquela parte de mim vai se chamar B., resolvi enquanto a observava.

Mas a parte menos santa da história, que, aliás, não tem nada de santa, é que o dinheiro dava direito para somente três, somente três horas de permanência; tempo suficiente para um casal sair satisfeitíssimo dali. Eu fugia de B. Um de nós sairia morto? Pensei na morte, nas pessoas rindo, nas pessoas que riem quando alguém morre. Num velório, na minha infância, cheguei a rir do nariz de um defunto. Não ria porque os coleguinhas também riam; não quero me passar por santo, ok? Tive a impressão, talvez infantil, de que muitos mortos estavam ali no quarto do hotel; eram eles quem ria agora de mim. Chorei. Gente sem-vergonha também chora! As três horas voaram, já ia partindo, mas B., de repente, entrou pela porta de topázio. Eu a deixara aberta. Idiota!

— Mate-me B., julgue-me B.

— Não toma consciência desse seu egoísmo?

— Beije-me B.

— Tá zoando, é? Vai levar chumbo no meio do focinho.

— Eu chamo o Eusny.

— Chupei até o caroço.

— Viado! Tá vendo aquela b...ali na tv? É disso que a gente precisa, cara! 

Chovia. As ruas estavam desertas. Abotoei o colarinho da minha camisa e abri o guarda-chuva. B. se suicidara. Sei lá exatamente o porquê, mas ele se matou. 

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