DE VENTO EM POPA
Doca Ramos Mello

Cata-vento, meu filho, o tempo urge, meu miole ruge...

Não sei bem por que, mas estou começando a crer que você quer me desestabilizar, está brincando comigo e com a minha inspiração, me desafiando, o que é isso? Você não sabe com quem está falando, criatura, abaixe a empáfia!

Olhe só, vamos fazer um trato. Você aparece logo, eu escrevo o texto e não se fala mais nisso, tá bom? Eu já andei pelo ciúme, pelo feio que parece bonito a quem ama, por vampiros, pelo silêncio - silêncio é barra, reconheça. E vem você me aborrecer com esta indelicadeza, faça-me o favor... Criatura, a Anna Christina já está atrás de mim, desconfiando, perguntando, não posso decepcionar ninguém, me avalie a situação, eu, toda garbosa, aspirante a cronista, me achando a rainha da cocada preta, selecionada entre gente muito boa, botando fé em ser, um dia, se Deus for justo (Ele é, Ele é!) um Veríssimo de saias, já antevendo sucesso, entrevista na Globo, meu nome nas capas dos livros, e vem você, querendo melar meus planos?!

Nem vem que não tem!

Sopra esse vento da inspiração p'ra cá, cata-vento, meu jovem, você não sabe com quantas palavras se entorna um tema, ande, tenho pouco tempo, a Chris até já me cobrou pessoalmente, anda, rapaz!

Sim, eu sei que você é ocupado, catar ventos não deve ser tarefa simples, claro, você é um lutador. Sou mais ou menos do seu time, creia-me. Apesar de dar um duro lascado para pagar as contas - você não sabe, meu querido, o que é IPTU, o que são as taxas de água, luz, telefone, não conhece o preço do feijão, da carne, você tem sorte, é uma loteria a sua vida, sabia? -, vivo a catar sonhos, ilusões, quimeras. Acima de tudo, cato palavras que junto, para fazer delas um texto, tenho a pachorra de me orgulhar da minha facilidade para escrever sobre o que quer que seja, a qualquer hora,e em qualquer lugar... Mas você está me botando louca!

Cata-vento, você não sabe, mas sou uma anja, tenho obrigações a cumprir ou perco meu lugar neste céu, posso ser destituída de minhas asas, deixarei de voar! Quer morrer com esta culpa?

Se as coisas continuarem assim, quem vai catar vento sou eu. Vou juntar todos os ventos do mundo e não deixar nadinha p'ra você, arrááá, arrebanho um furacão particular, tão grande quanto aquele que se abateu sobre Fernando Collor, quando a moçada saiu às ruas com as caras pintadas, se lembra, mocinho? Aquilo desgrenhou a primeira-dama, amarrotou o topete do cara, foi tudo por água abaixo. E aí, quero ver você rodopiar de fora do evento, quero ver cata-vento cumprir missão de vida, quero ver o circo pegar fogo!

Ôôô, cata-vento, faz isso não, aparece, meu benzinho, a Chris até me fez uma reverência e tal, não posso decepcionar. Deixe de soprar seu ventinho alhures, vire-se p'ra cá, atente para o meu olhar perdido na escuridão, digo, no branco da tela, rapaz, estou à beira de um ataque! Estou esperando que me devolva o verbo rápido no gatilho, sou eu, não me reconhece, não?

Faço o que você quiser, ok. Saio com você pelas ruas, feito criança correndo, correndo, boto você em cima de um bolo e canto os parabéns, dou uma passadinha naquele país distante que possui um montão de parentes seus espalhados para gerar energia... Gente boa aquela sua turminha, batalhadora, sou fã deles, sabia? Uns japoneses andaram dizendo que trariam aqui, para a minha cidade, uma fábrica desse seu pessoal, mas você sabe como é política, alguém deu mole e o empreendimento parece que já foi para o Guarujá... Sãos os ventos, cata-vento, sãos os ventos.

O vento que venta lá, venta cá, correto? Errado.

Todo mundo já mandou o texto, e eu aqui, com o cata-vento na mão sem idéia na cabeça, você está debochando de mim, assim não vale, não é democrático. Vou fazer uma manifestação por uma divisão mais justa de ventos, V. Excia Metalúrgissima precisa saber que existe uma concentração de ventos, vou montar o MSV, vou invadir, exigir reformas, socorro! E você fique ciente de que estou pensando em convocar "os quatro cavaleiros do apocalipse radical petista", Luciana, Babá, Lindemberg e Heloísa, êêê! Vai ventar ou não vai?

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