LEMBRAR É VIVER LIVRE
Luciana Pareja Norbiato

Melancolia, eu sei, não é a maior das virtudes, nem o bem supremo que um ser pode carregar. Até um tanto, chega a ser bonito, mas cansa a evocação por piedade. Sinto-me melancólico.

O dia nublado, por entre casas de paredes geminadas em que se espremem ácidas existências -que para existir de fato, nada fazem, mas têm mais em si de uma sucessão de movimentos sobre os quais não têm o menor controle, o vento do tempo arrastando as pás do catavento, cada chama esmaecida, pôr-antepôr de dia adiante de dia adiante de dia. Uma dor, um sarcasmo doce em sentir-se envelhecer sem tomar nas mãos o que se é.

Caminho a pequena vila, os paralelepípedos sussurrando histórias seculares cravadas a pés. O que posso fazer por mim? Como tirar meu catavento das mãos do tempo, do "destino" -nome sob o qual abrigamos um desejo de acomodação e preguiça- para tomá-lo entredentes, rugindo as esferas de meu tempo, que passa aqui dentro de mim, enquanto bombeia lento o sumo vermelho que há de gelar, cedo ou tarde? Melancolia também é uma forma de preguiça: tenham pena de mim, tenham pena de mim, porque sou um coitado, e me entristeço com minha pobre realidade. Mais fácil é ser vítima, sem forças para lutar -e assim ficar parado.

Uma criança, um pouco suja por brincar na calçada, segura, de fato, um catavento colorido. E sorri com uma luz, que só em um sorriso de bebê. Lembro-me que, apesar de ter sido há tempos, eu também já fui assim. Vento.

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