VIAGENS
Márcia Ribeiro

Plena madrugada e ele me acorda para iniciarmos a maldita viagem até Campo Nevoeiro do Nordeste. Nunca consegui entender porque deram este nome para uma cidade que fica lá no Sul. No pé do mapa mesmo, ou melhor, no dedo anular do pé do mapa.

De vez em quando ele cisma com essas aventuras, o único problema é que esquece de me consultar, apesar de saber que tenho verdadeiro horror por esses ataques de Indiane Jones.

Que inocência a minha. Mas é claro! 

É justamente por isso que ele nunca me consulta. Preciso ficar mais alerta da próxima vez e prestar mais atenção aos sinais.

Há uns três meses ele vem me paparicando, sondando com ares de bom moço o que poderia realmente me agradar. 

Mas que safadinho!!! Como não desconfiei?

Ele já nem reclamava mais da nossa linda cadela. Mesmo quando ela insistia em tentar expulsá-lo de nossa cama, ou quando quase o derrubava nos vários tropeções que ele levava por ela estar estirada, preguiçosa, no meio do caminho.

Até começou a achar graça dos três passarinhos que nosso filho insistia em manter engaiolados. E por vezes ria escancarado dos meus insistentes protestos, que não eram tão sólidos assim, pois os pobres bichinhos permaneciam nas gaiolas, um canário que insistia em cantar fora de hora, um sanhaço que além de também cantar fora de hora, fazia-o fora de compasso e um azulão com lindas e brilhantes penas verdes.

Com uma euforia mal disfarçada, falava da vontade que tinha de conhecer a bela cidade, famosa pela estrada repleta de cataventos, dos dois lados, dizia enquanto seus olhos viajavam.

Por mais que eu tentasse saber mais detalhes da tal cidade, lá voltava ele com a estrada repleta de cataventos, dos dois lados, diga-se de passagem.

Só comecei a me preocupar mesmo quando o assunto começou a tomar conta até de nossos, agora mais freqüentes, momentos mais íntimos. E nisso ele caprichou, pois eu já não tinha mais sossego. Eu tinha até medo de abrir os olhos, que dirá a boca.

Por fim, percebendo que não havia mais jeito de reverter a situação, passei a vigiar seus passos. O frenesi que tomou conta do ambiente chegava a me comover.

Até que em plena madrugada ele me acorda para iniciarmos a maldita viagem até Campo Nevoeiro do Nordeste.

Devo confessar que a felicidade dele me contagiou. 

Da cidade eu não tenho quase nada para contar, mas desde que voltamos, eu vejo o brilho de seus olhos quando, entre os amigos, digo orgulhosamente que há trezentos e vinte e oito cataventos em cada lado da estrada.

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