MOINHO DE VENTO
Reinaldo de Morais Filho

Não poderia vencer o debate sem ter razão, como não pude, desde o primeiro momento, derrotar a beleza forte que ela me impôs aos meus olhos naquela tarde morna em que ia ao trabalho.

No último instante do alarme de portas do metrô — porque esses acontecimentos são sempre marcados por uma forte e esotérica coincidência — ela entrou no vagão arrumando a saia jeans curta.

Em um olhar de relance sobre o livro amargo que vinha lendo, degustei o fervor súbito que me percorreu por dentro, partindo do umbigo até o início da garganta, acompanhado de um sopro gélido que me causou cólicas.

Na verdade, passados aqueles segundos longos de deslumbre, evidenciou-se a pintura merecedora de retoques, principalmente ao se considerar que, de tão antagônicas, sua saia azul-escuro e a blusa de lã vermelha lutavam uma luta vil.

E em seu ombro, carregava uma bolsa branca, como os sapatos de salto elevado que, embora combinassem entre si e com a saia jeans, ajudavam a empurrar a malsinada blusa vermelha de lã a um abismo solitário e sem retorno.

Felizmente, não sou partidário dos modismos e, atendo-me aos cachos negros que desembocavam no seu colo, às pernas longas de pele clara, aos traços finos em sua face sólida, convenci-me da sua exuberância.

Em duas estações seguintes, já lhe havia escrito um poema, desenhado um lar para aprisioná-la, uma cama para nos acomodar. Na terceira estação, visitei os filhos, comemorei o casamento, apodreci velho em seu abdômen. Na quarta, lhe inventei um sorriso amarelo, quando minha demora em seu corpo a tinha assustado.

Na quinta estação ela desceu sem me dizer adeus, sem sequer me lançar um olhar singelo para me estimular a segui-la. E ainda me fez perder meu ponto, atrasar meu dia, incutir em meus pensamentos a saudade e permitir em minha mente o esquecimento.

Quando entrei no trabalho, já estava apaixonado por outras.

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