NO INVERNO É MAIS DIFÍCIL
Adlai Hoartmann

Habituei-me a tirar fotos de mim mesmo, nu, em pêlo, e mandá-las por Sedex, em um envelope pardo e humilde, juntamente com um pedido de casamento por escrito e com assinatura reconhecida em cartório, à Jude. Ela nunca me levou a sério e para provar que falava sério nunca aceitou meu pedido. Não porque eu sou feio quando estou pelado, sou até proporcional e nem gordo ou magro, um pouco peludo talvez, mas não feio. Mas porque Jude me acha muito imaturo para levar um casamento tão a sério. Eu não tenho argumentos, nem contra, nem a favor, casamento é um relacionamento de papéis passados que como todo crime, para que possa ser solucionado, precisa de uma ou duas testemunhas com proteção do governo. Não pareço tão pessimista, entretanto, um pouco duro com relação ao código civil, mas não pessimista. Aliás Jude me acha tão imaturo que acabou me largando, após uma etílica e bacanal feijoada com seus primos e irmãos no rancho de seu pai há três anos atrás. Faz tempo! Ainda tenho uma foto, eu pelado de pau na mão e o grupo de 16 prostitutas especialmente contratadas para o "evento". Mas continuo a mandar as fotos íntimas. Até porque ela já não atende meus telefonemas. Nem responde as minhas cartas e telegramas. Aos meus emails, nada. Magoada talvez. Mas mágoa passa, ela disse isso uma vez a uma amiga gostosinha que ela tinha na faculdade de arquitetura. Eu acreditei. A amiga gostosinha, um pena, se matou no início do outono de 97, enforcada na tomada do ferro de passar. A mágoa que não passou foi na verdade coisinha de ciúmes, já que a amiga gostosinha da faculdade de arquitetura era doidinha pra dar pra mim, conforme me disse entre lágrimas de luto, Jude. Nunca perdoei Jude por isso. Como ela pôde mentir pra mim, como? Lembro que fiquei duas semanas sem falar com ela, ilhado e incomunicável em Rio dos Desencontros, cidadezinha portuária onde se concentra o maior número de piranhas por metro quadrado do país. Uma gonorréia quase intratável e uma ferida no coração de Jude foi o que eu consegui encontrar em Rio dos Desencontros. Tetraciclina tem na farmácia, mas o coração de Jude sangra até hoje. Deixo recados e ela nem tchuns. Deixo presentes e dizem que ela os joga fora. Jude nunca me levou a sério, não me via como um homem feito e pronto para enfrentar as vicissitudes da vida. Houve um dia, num acesso de ciúmes por causa de Lurdinha, uma prima assanhada além do aceitável, em que ela me disse que eu não seria nada sem ela, me amaldiçoou, me bateu no peito, disse aranhas e caranguejos, me socou o nariz. Até hoje eu tenho a cicatriz do nariz, visível. A única coisa que restou além da memória. Meu nariz sangra nos invernos secos, Jude, quando eu lembro que te amo. 

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