QUEM EXPLICA O FIM DO AMOR?
Ana Claudia Vargas

Para Sílvia

Não sei a partir de que instante as coisas foram se quebrando. Não sei a partir de que momento eles se olharam e não mais se viram. Não sei e não ouso tentar entender, a partir de que maldito momento os sonhos de ambos escorreram pelo ralo da vida e sumiram no cotidiano raso e banal do que se convencionou chamar realidade.

Não sei. 

Sinceramente: não sei.

Sei que a casa era grande e confortável e possuía imensas janelas que davam para um começo de jardim, que timidamente, oferecia seus brotos recém - plantados. Um jardim que era metáfora da nova vida. Sei que naquele dia ela havia me dito que cuidava com carinho do jardim mas ele parecia não retribuir esse amor. O jardim me faz pensar nele, inevitavelmente.

Mas nada disso importa. O que sei é que a boa vida normal, rotineira e cômoda ia se estendendo para todos os recantos da realidade (ou do que acreditamos ser a realidade). Ia como chuva em terra ressequida, ia como um barco levado pelo mar.

Não sei para onde ia (quem sabe?) aquela vida de casal normal que tenta se acertar. Não sei para onde iam aqueles sorrisos que nos fazem pensar "o amor vale a pena", não sei para onde iam aquelas certezas e planos que os casais fazem quando tudo é começo, manhã que nasce com sol promissor, criança aprendendo a andar e descobrindo o mundo. 

Sei que, como disse, a casa era grande e ela fez questão de me mostrar todos os quartos. Sei que havia os cachorros, afáveis cachorros que me fizeram pensar ainda que os animais são dádivas de Deus; sei que naquele dia ela havia feito um bolo de fubá, para mim, que sou amiga dela e sei que nós ficamos vendo velhas fotografias recheadas de sonhos e lembranças no confortável sofá da sala.

Sei que ela estava feliz e disse que gostaria de ter um bebê, sei que ele chegou cantarolando uma canção qualquer dos anos 70, bateu a porta do carro com aquela força que só os homens tem e sei que, naquele instante, ela me olhou e no seu olhar pude ver um sentimento de segurança e conforto que só possuem, as mulheres que tem homens que as amam, assim, de um amor calmo quando tem que ser e intenso e louco, quando tem que ser.

Ah, sei...sei...

Sei que era um começo de vida, com a rotina se estabelecendo e tomando conta das agendas, das folhinhas, do tempo ao redor; mas era uma rotina boa, bem vinda, significando disciplina, organização, vida que entra nos eixos. Era uma casa de grandes janelas ali na esquina, perto do museu, de frente para uma rua quieta e cheia de árvores como raramente se vê em cidade grande. Sei que havia uma cumplicidade, um bem querer, delicadezas típicas dos casais que se amam e querem construir um futuro juntos. E esse sentimento de cumplicidade que confere solidez e inspira confiança e que nos faz querer o amor, buscar o amor, e plantá-lo, assim como se plantam sementes num jardim; e esperá-lo crescer como se espera com calma ou ânsia, o brotar das flores...esse sentimento parecia existir, apesar de tudo...

Sei ainda que num belo dia, na hora combinada, cheguei à casa e chamei minha amiga inutilmente. E os cachorros sequer latiram para mim, e percebi que o jardim há muito estava seco e o mato invadia tudo o que antes parecia brotar com força, com vigor...

Eu chamei minha amiga e ela não apareceu. Durante uma semana não tive notícias dela. Passado este tempo, ela liga e me diz que se separou, que ele estava apaixonado por outra (já viram esta história antes, eu sei) e, enfim, que agora era tempo de juntar os cacos e partir para não sei onde. 

Sei que sofri junto com ela, sei que caminhei pelos corredores daquela casa grande, abri gavetas e armários, revi as fotos, contei as esperanças todas e refiz todos os caminhos que nos levam a dizer todos os dias "o amor vale a pena. Busquemos o amor...tentar é o que importa, etc e etc"...

Sei que o amor acabou, assim como se acabam os sonhos (como dizem os roqueiros quando se despedem ou se matam), assim como quando nos dizem que já passamos dos 18 e é hora de encarar a tal realidade (de novo ela), assim como nos acostumamos a sentir na alma todos, todos os dias, aquele sem sentido, um vácuo que parece tudo abarcar...

Todos os clichês não explicam o fim do amor, todas os fatos diários, rotineiros, superficiais, não definem o tal "fim do amor".

Cada um vai para o seu lado e enquanto se destrói uma vida em comum, outra vida vai nascendo porque o tempo (vejam só) não pára, e no meio deste turbilhão de afetos e desafetos, de encontros e desencontros, de vidas que se entrelaçam aqui para se separar mais adiante (como as linhas do crochê nas mãos de minha mãe), de desejos que ontem eram tudo e hoje não são absolutamente, nada, no meio disso tudo...

Sei que caminhei sozinha pela casa vazia e imensa, de janelas maiores ainda que davam para um céu azul (acho que sonhava) e sei que cheguei junto ao parapeito e percebi, com tristeza infinita, que o jardim que minha amiga havia plantado, estava destruído, e todas as pretensas flores não haviam nunca existido...

Sei que não pude deixar de pensar que tudo estava, desde o começo, claro demais para que nos enganássemos.

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