ENTRE A VIDA E A MORTE
Mairy Sarmanho

Mariana pensou nas vezes em que havia tentado se matar. Não cabiam nos dedos, tantas eram. A primeira, ainda criança, foi frustrada com a fragilidade da inocência. Como pode acreditar que tomar três copos de leite seguidos era fatal? Bebeu, deitou-se na cama e esperou a morte. Que não veio.

A segunda vez, adolescente, tentou cortar os pulsos. Mas, ao primeiro sangue e à primeira dor, recuou. Ficou apenas uma minúscula cicatriz para lembrar o fato, visível somente com uma lupa. Nada aparente. Ninguém soube. Ilesa.

A terceira vez, quase deu certo. Tomou o vidro inteirinho de comprimidos da mãe e foi parar no pronto-socorro, entre a vida e a morte. Fez psicoterapia e prometeu que nunca mais ia tentar novamente. Mentira. Dois anos depois, repetiu o feito.

As seis vezes que seguiram-se resultaram em duas costelas quebradas, uma cicatriz na testa e um dedo sem a ponta. A família, horrorizada, internou-a numa clínica para doentes mentais. Ficou lá por três anos, até prometer que nunca mais tentaria. Claro que tentou, novamente.

Foram mais cinco vezes, alguns ossos partidos, uma bala alojada para sempre na cabeça e a terrível sensação de nunca conseguir o que buscava. Mariana queria apenas morrer, mas nem isso conseguia.

Até hoje.

No caminho para o trabalho, encontrou um homem alto, magro e com cara de marginal. Ela tinha o dom de saber, num primeiro olhar, quem era bom ou não era. Percebeu que o homem podia libertá-la daquela existência que tanto a irritava e resolveu segui-lo. Saiu do seu caminho rotineiro e foi atrás do homem, numa vila, andando entre crianças maltrapilhas e olhares de fome. Segui-o por becos, ruelas, miséria e abandono. Foi caminhando, sem pensar em nada, apenas indo em frente como nunca costumava fazer.

O homem parou e Mariana parou atrás.

Quem sabe ele me assalta e depois me mata, pensou. Ou me estupra e depois me mata. Ou, melhor, simplesmente me mata logo. Mas, para decepção da moça, o homem a ignorou. E afastou-se rapidamente, despistando-a. 

Mariana tentou retornar, mas a noite alcançou-a e ela se viu perdida naquele mundo desconhecido. Pensou em pedir ajuda mas não conseguiu falar. Ficou ali, parada, imaginando porque ainda estava viva. 

De repente, ela viu uma mulher se aproximando, vestida toda de negro, caminhando em sua direção. Antes que ela dissesse qualquer coisa, a mulher falou:

- Eu andava lhe procurando há muito tempo!

- Quem é você? - Perguntou Mariana.

- Eu sou a morte. - Respondeu a mulher.

- Mas... - Reclamou Mariana. - Quem a procura há muito tempo sou eu! Fiz de tudo para encontrá-la, porém parece que você me evita!

- Você cumpriu sua missão nesse mundo? - Indagou a morte.

- Que missão? - Assombrou-se a moça. - Eu não sabia de missão alguma...

- Todos têm uma missão e, sem cumpri-la, não têm o direito de partir. - Afirmou a criatura.

Mariana parou para pensar e lembrou-se que, realmente, tinha uma missão. Tentou encontrar um meio de realizá-la ali mesmo, mas percebeu que era impossível. Pediu que a morte a esperasse mais um pouco, pois teria de encontrar o verdadeiro amor...

A moça levou cinco anos para descobrir Pedro, um escrivão de polícia que trabalhava numa delegacia de subúrbio e pelo qual se apaixonou verdadeiramente. A partir de então, ela começou a evitar e temer a morte, enquanto procurava, desesperadamente, uma forma de livrar-se dela.

Anos mais tarde, velha e não mais conseguindo driblar a morte, Mariana a encontrou na sala da própria casa.

- Finalmente a encontrei! - Reclamou a morte, irritada.

- Eu sei... - Gemeu Mariana, pesarosa.

- Mas, afinal, você que antes me procurava, porque passou a evitar-me com tanto afinco? - Indagou a criatura.

- Eu realizei minha missão na terra e descobri que a vida podia ser boa. Daí desisti de partir... - Explicou Mariana.

- Hum... - A morte sacudiu a foice, furiosa, ceifando a vida de Mariana enquanto resmungava: - Não existe coisa pior do que o desencontro...

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