O CONTADOR DE ESTÓRIAS
Marco Brito

Meu nome é Andrei Vadam. Sou um aventureiro, um vira-mundo. De tudo já fiz na vida. De tudo que ela possa oferecer a um homem, eu já provei. Roubei e enganei. Mas houve fase de viver honestamente também. Fui caça e caçador.

Conheci muitas terras, naveguei por muitos mares. Provei de diversas comidas, bebi de todas as bebidas, do mel ao fel. Amei muitas mulheres... Por algumas fui amado. Por outras me iludi. Do meu alforje de lembranças, muitas estórias eu tenho para contar. Sou um contador de estórias...

Andava naquela época, pelas montanhas, vivendo da caça de lobos e lebres para a venda de peles. Neste dia, encontrava-me no alpendre duma estalagem, numa hora morta do dia, quando conheci o homem que me falou de seus amores, de suas dores, de seus desencontros. Estava eu, sentado numa comprida mesa de madeira rústica. Tinha nas mãos uma taça de vinho quando o mesmo se aproximou e pediu licença para sentar-se. Puxou do banco e despejou um pouco do vinho da sua jarra na minha taça.

- Não sou homem de beber sozinho, já havia reparado na sua pessoa e parece-me ser homem de bem. 

Aquiesci com um meneio de cabeça enquanto mirava aquela figura de olhos claros e voz mansa. Já deveria ter passado dos cinqüenta, embora conservasse um corpo magro e rijo. Fiz-lhe um gesto para que se aproximasse.

Ficamos bebericando em silêncio, olhando para os cumes das serras distantes. Uma mulher aproximou-se da mesa trazendo uma bandeja com um prato de comida fumegante. Nos acercou e depositou a comida à mesa. Antes de retirar-se, me olhou rapidamente e em seguida, de forma bem doce e demorada , fitou meu parceiro. Ao ir-se, este vira-se para mim e diz:

- Reparaste como ela me olha, não? É uma longa história. Deixe-me contar-lhe:

" Passo por este entreposto, entre minhas idas e vindas, há mais de trinta anos. Quando cheguei aqui pela primeira vez encontrei esta mulher. Na época a moça mais linda que meus olhos já haviam visto. Foi amor à primeira vista. Apesar de toda a sua beleza, a tristeza que morava nos seus olhos doía a alma de quem ousasse fitá-la. Era triste e arredia, mas com o passar dos anos foi-se abrindo para mim. Nunca perguntei-lhe o por quê de tamanha tristeza, mas vim a saber por intermédio outras pessoas. Por muitas vezes estive perto de confessar-lhe meu amor. Mas, sabendo que sua tristeza foi causada por uma paixão avassaladora, por um amor de uma única noite, nunca ousei-me a tanto. Sempre acreditei no retorno do homem que levou a sua mocidade e seu coração. Soube mesmo, através de amigos comuns, do bem que ela me queria... E do seu desejo não confesso de ter-me como esposo. Mas é o que lhe disse, ele poderia voltar... Confesso-lhe isto por saber que já está de partida. Acaba-se a temporada de caça e certamente aqui não mais retornará. Irá levar este meu segredo companheiro".

- Desejo-lhe sorte irmão! Parto amanhã pela manhã. No entanto deixo-lhe um conselho: case-se com ela ainda nesta primavera. Asseguro-lhe que este homem não mais existe a não ser na sua imaginação.

- Como podes afirmar isto tal coisa ? Quisera eu acreditar em tais palavras!

- Vejo isto no fundo do meu copo. Vejo a morte do seu oponente.

- És bruxo então!

- Sim. Sou um bruxo. E como tal lhe asseguro.

Os olhos daquele homem brilharam quais estrelas cadentes. Conversamos e bebemos até que nossas palavras se misturaram com a noite. Parti pela madrugada.

Como havia dito no início desta estória, de tudo já fiz nesta vida. Já menti e proclamei verdades. Qual esta que acabo de contar-lhes: menti ao fazer-me bruxo, fui verdadeiro quando morri para aquele homem e aquela mulher...

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