ALGUMAS MULHERES E A RITA
Rita Alves

Fico surpreso com a saudade que ainda sinto quando me lembro da Rita. Ela levou mais do que o meu sorriso, seu retrato, seu pano de prato e o tal disco do Noel. Levou minha esperança de acreditar no amor, destruiu os meus planos sem piedade. Eu, rapaz jovem que era, desiludido, procurei outros amores, mas até hoje, aos meus cinqüenta e poucos anos, não me esqueço da dor que senti. Rita era divertida, inteligente, mas sem avisar se transformava numa mulher fria e distante. Me enlouquecia e me deixava confuso, me tratava como se eu não fosse importante e muito menos necessário. Me lembro da nossa última discussão e da porta se fechando, ela carregando suas coisas, saindo sem olhar para trás. 

Dói em meu peito a saudade da Rita.

Depois dela, conheci uma moça de olhos tristes. Era linda a Beatriz, parecia uma pintura, uma boneca de louça. Ela não me deixou entrar na sua vida. Tinha medo de ser feliz. Morava só e cultivava orquídeas, sua sensibilidade me encantava. Aquele rosto de atriz e aquele sorriso doce só aumentavam a saudade que sentia da Rita, mulher que me causou perdas e danos.

Beatriz era o avesso da Rita.

Cecília era irmã de um grande amigo. Me tirava o fôlego, me deixava sem dormir, eu a desejava em silêncio porque as palavras se tornavam brutas diante de Cecília. Ela despertou em mim o desejo de cantar, declamar poesias, fazer as coisas mais belas, mas diante dela eu me calava. Deixava o silêncio falar por mim, mas no escuro eu suspirava e murmurava... Rita... Rita...

Nos caminhos da minha vida cheia de desencontros, um espinho ficou cravado na minha garganta. Me apaixonei por uma desvairada chamada Rosa. Arrasou meus projetos de vida, achei que ela era minha estrela, minha guia. Que nada, a santa até trocava meu nome! Rosa era uma moça muito trabalhadora. Era morena, cheia de charme, tinha cabelos armados, desalinhados, amava samba e sempre desfilava na Portela. Era uma bandida aquela Rosa, vadiava por aí no escuro da noite, me esquecia e eu completamente fascinado por aquele corpo me deixava enganar!

Ah, como foi difícil abandonar a Rosa... ela tinha os mesmos trejeitos da Rita!

Pecado foi quando me deparei com uma moça miudinha de olhos morenos e cabelos loiros, lisinhos e escorridos. Lígia vivia insistindo para irmos ao cinema, andar pela praia até o Leblon ou tomar um chope gelado em Copacabana. Eu dizia pra ela que nunca tinha sonhado com uma mulher assim, que nunca quis tê-la nem em um fim de semana. Ela insistia e então lhe contei um monte de mentiras de amor. Por um momento acreditei nas minhas próprias invenções, mas tudo não passou de ilusão, afinal, ela em nada me lembrava a Rita, minha morena dos olhos d'água.

Certa vez, fingi que tinha esquecido a mulher que deixou mudo o meu violão. Carolina tinha em seus olhos a dor do mundo. Tentei lhe mostrar as alegrias da vida, convidei pra dançar, mostrei a rosa desabrochando, a estrela que caiu, mas ela não se deu conta e continuava com seu pranto. Com o tempo a tristeza de Carolina fez a chama da minha paixão, que eu julgava amor, apagar. Ela não mudava, continuava triste e eu bem que avisei: Carolina vai acabar! O tempo passou pela janela, só Carolina não viu! Enquanto ela reclamava, eu parecia ouvir as gargalhadas da Rita. Zombava de mim aquela maldosa.

E depois de tantos desencontros, depois de Iracema, Joana, Iolanda e tantas outras, estou aqui, sozinho, ouvindo Chico Buarque nessa sala fria com a taça cheia de vinho tinto e a vida vazia.

"A sua lembrança me dói tanto * 
Eu canto pra ver se espanto esse mal
Mas só sei dizer
Um verso banal
Fala em você
Canta você
É sempre igual

Sobrou desse nosso desencontro
Um conto de amor
Sem ponto final
Retrato sem cor
Jogado aos meus pés
E saudades fúteis
Saudades frágeis
Meros papéis

Não sei se você ainda é a mesma
Ou se cortou os cabelos
Rasgou o que é meu
Se ainda tem saudades e sofre como eu
Ou tudo já passou
Já tem um novo amor
Já me esqueceu"

A Rita levou meu sorriso...


* Desencontros - Chico Buarque

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