ANETE
Juliana

Rendição é quando ela sentou-se no sofá amarelo da minha sala, as pernas torneadas aparecendo de leve, sem dizer uma única palavra, enquanto eu me derretia como um picolé num dia ensolarado, tonto de paixão.

Ela me rendia apenas com seu olhar delicado, sua pele macia cheirando a biscoito amanteigado, os cabelos ruivos caindo delicadamente, os sapatinhos rufando como um sino no chão da minha sala. Anete era minha paciente, sua imunidade era baixa, por isso vivia doente, cansei de ir até sua casa, aplicar injeções no seu bracinho roliço.

Apesar de tudo, nada tirava o brilho dos olhos dela, 15 anos, linda de morrer, nada tirava o vermelho de seus lábios carnudos, que eram a maior tentação do mundo,eu era apenas um homem de quarenta e poucos quanto a conheci, então com seis anos, podre de doente. Passei a cuidar dela desde aquele dia. Nunca entendi porque vivia doente daquele jeito.

Acabei me apaixonando por ela. Como vivia em casa, não tinha muitos amigos de sua idade, e adorava ler, ler qualquer coisa que lhe caísse nas mãos.Descobri essa sua paixão pelos livros e passei sempre a comprar um ou outro que fosse de seu interesse. Polyana, Polyana Moça, depois A Ilha do Tesouro, Romeu e Julieta, O Crime do Padre Amaro, ela adorava e sempre agradecia com as bochechas enrubescidas de vergonha.

Lembro-me da única vez que peguei em sua mão de uma maneira diferente. Ela estava com febre alta e foi até o meu consultório. A mãe da menina, que meio que desistira da vida da própria filha, ficou do lado de fora. Anete chorou, e eu me rendi mais uma vez a menina doce que ela era. Entrelacei minha mão na dela e ela me olhou como se aquilo fosse o maior pecado que já existira. Eu me desculpei.

Então ela pegou uma pneumonia forte. Daquela vez, eu sabia, ela ia morrer e eu nunca... nunca diria a ela que a amava... mas então, quando eu achei que meu segredo seria enterrado com ela, ela sorriu uma última vez e disse: Eu te amo. E fechou os lindos olhos verdes para sempre. E eu me rendi mais uma vez. Anete.

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