DENTES TRINCADOS
Luciana Pareja Norbiato

Prostrado, pés descalços, joelhos colados ao chão de cimento que me come a pele, olhos mareados e mãos ao alto.

Nem pensar em correr, não quero mais, cansei, os pés com bolha, sapatos estrupiados e jogados fora pela inutilidade e falta de sola.

Engulo seco. Tudo no mesmo. Dor nos calcanhares, mas acabou. Tenho menos medo da morte do que de viver tolhido, controlado, vigiado, escondido.

Rendido, as armas que me aponto forçam-me a ir ter com a vida real, botando longe amarras e a máscara. Quero crer, e creio. Quero ter e fazer, e o receio não me cabe mais. Quero correr por vontade, correr para o que eu inventar para mim. Não quero mais correr de mim. Eu me rendo à minha vida.

Um tiro, e o dia nasce outro, o estouro do cano não mata, alerta os sentidos. Sinto o corpo moído, mas cá estou, vivíssimo e salivando sonhos, desperto e confiante, embora não tenha para além de mim mais nada, nem sapatos, nem as convenções de uma pessoa feliz, como no comercial de margarina.

Mas me tenho, rendido que estou à inebriante volúpia de ser, acima de qualquer coisa. Eu sou.

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