RENDIÇÃO
Reinaldo de Morais Filho

Cheio de amarguras fechou-se em si mesmo. Acendeu um cigarro e fumou até sentir queimarem os dedos. Uma lágrima caiu, mas deixou as cinzas se formarem sobre as unhas, o fogo apagar sobre a pele negra.

E tem quem não veja beleza na dor. Um sorriso não tomaria um segundo de atenção daquele que pudesse enxergar o choro calado de T., sentado diante da janela, olhando o dia correr lentamente, o sol recolher-se sob o manto divino do mar.

Quedou-se ali depois do almoço e ainda agora, não sabia o que pensar. Tragava um cigarro e logo outro. Com o olhar sempre preso em um ponto distante do horizonte, como se buscasse o fim.

Nem poderia ver tão longe. Sofria de miopia e astigmatismo em graus elevados. E detestava usar os óculos conforme receita do médico. Cada um deve enxergar do seu jeito; não sabia porque o doutor deveria ter razão.

Ao longo da tarde que se ia, pensou duas vezes em se matar – sem levar a idéia a lugar algum além da mente. Ao longo da noite que se foi, cogitou vez nenhuma se deitar por um instante, descansar, dormir - queria ver o dia seguinte acordar aos seus pés.

E quando veio o dia, então, pensou em sair para uma caminhada: e não saiu. Sentiu a fome despertar: e não comeu. Viu a fraqueza lhe espetar a barba branca: e não cedeu.

Acendeu um outro cigarro por cima da pele chamuscada e desta vez fumou até sua última partícula de nicotina. Quis tossir: e não tossiu. Engoliu a fumaça e não a libertou de forma alguma, castigava seu corpo querendo provar a si mesmo sua capacidade de vencer os instintos.

Largou o cigarro e segurou uma caneta. Pensou em escrever uma carta, ameaçou um choro, olhou o telefone pendurado no gancho: e permaneceu duro, reto, parado perante o mar barulhento.

Na densa cortina de névoa suja que se ia acolhendo no quarto, surgiu uma brilhante massa de maresia. Pensou em outras fragrâncias, por não querer sentir prazer nem repugnância no cheiro enferrujado que o misto formou.

Uma fina espetada lhe foi dirigida na altura do peito, mas o homem rude fingiu não percebê-la. Engoliu a saliva azeda, o líquido doente-amarelado que era empurrado em sua garganta. Caiu lentamente no chão como se estivesse, apenas, mudando de posição.

Não chorou, não gritou, não gemeu. Fechou os olhos como se buscasse o sono, controlou a respiração como se fosse meditação. Ouviu o corpo em silêncio e não se perguntou: morreu como se permanecesse vivo.

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