A CONFERÊNCIA
Alisson Ferreira Villa

Toda conferência era a mesma coisa. O dia quase raiava e elas nunca chegavam a um acordo que interessasse todas as partes. Podemos até nos confortar um pouco se pensarmos que a maioria dos encontros desse tipo sempre tornam-se um amontoados de discussões gigantescas e inflamadas (fosse para decidir se expulsariam do condomínio o baterista do 203 - que as velhinhas do prédio insistiam em chamar de Mocinho Revoltado -, fosse para pedir 73,6% de aumento para a classe - mesmo sabendo que no final seriam dados apenas 2,75%, fora os impostos - ou mesmo para tentar derrubar o presidente da república e instaurar a anarquia pelo país, no qual todos poderiam andar pelas ruas usando suas pantufas - apesar dos revoltosos serem membros do centro acadêmico de uma escola em Pindamonhangaba). No entanto, era inadmissível que o mundo ficasse incolor durante tanto tempo, enquanto as cores participavam de sua conferência anual.

- O problema é essa perigosa tendência megalomaníaca de querer ser infinito - era o Verde colocando sua opinião sobre o Azul, que em todo encontro era injustamente perseguido, vítima da inveja das outras cores. Elas sempre acusavam, por exemplo, o Azul de manter conchavo com os poetas ("Só pode ser propina" - declarou certa vez o Lilás, quando discutiam a exacerbada presença anil pelos versos líricos. O caso foi abafado e nunca se soube a verdade).

- Explique-se melhor companheiro Verde - pediu o Preto, que naquela noite presidia a sessão.

- Vejam bem, como é do conhecimento de todos, a Constituição Colorida diz em seu artigo quinze, "Das cores da natureza", parágrafo quatro, que o responsável pelo mar sou eu. Porém, como os seres humanos vivem proferindo elogios - os quais não compactuo de forma alguma - quando o mar ganha uma coloração azul, o referido companheiro não perde tempo em se espalhar por toda orla. Daqui um tempo estará invadindo todo o oceano - os olhares se voltam para o azul, esperando sua resposta. Com a calma que lhe é peculiar, ajeitou os óculos no rosto e começou a falar.

- Muito me surpreende o companheiro Verde falando em megalomania, quando o próprio é detentor de todas as florestas do mundo - um burburinho toma conta do ambiente, lá estavam os dois brigando de novo. 

- Ah! As florestas do mundo! Como posso colorir tranqüilo as florestas do mundo quando diariamente o fogo, junto com o companheiro Vermelho aqui presente, consome cada vez mais hectares? - uma risadinha vem do fundo do salão. Era do Vermelho. Quase nunca falava. Quando abria a boca soltava curtos comentários sarcásticos. Alguns se divertiam, mas a maioria o achava mau caráter. Para ele pouco importava. Não gostava de se misturar com os outros. O verde continuou falando.

- Além do mais, Sr. Azul - disse isso olhado-o de cima à baixo com cara de quem comera por engano uma folha de boldo em meio a uma lasanha - o que são as florestas do mundo se comparadas ao céu? - contestou o Verde. "É um bom argumento", pensou o Amarelo, mesmo sabendo que aquilo acabaria sobrando pra ele. Sempre sobrava, desde que começaram a associar o mal-estar à sua chegada. Folha amarela, folha morta. Pessoa amarela, pessoa doente. Sorriso amarelo, atitude idiota. Definitivamente, não tinha dúvida que sobraria. Olhou o relógio, dez para seis. Desde meia noite não citavam seu nome. Talvez com um pouco de sorte... O Azul tomou a palavra de volta.

- Sinceramente, me sinto perseguido. Pois, pelo que eu entendo, o céu que me pertence, além de dividido com as nuvens do companheiro Branco - este nem despertou do sono que o acompanhava em todas as conferências -, é muito menor que o espaço sideral. Este sim, infinito e totalmente preto - disse essa última frase virando-se para a cadeira onde sentava o presidente da sessão. O Preto enfureceu-se. Bateu o martelo na mesa. Umas cores vaiavam, outras aplaudiam. O Azul desceu do palanque. O Verde foi atrás. O Vermelho gargalhava. O Amarelo tentava escapar na ponta dos pés. Foi flagrado pelo Rosa, que fez um escândalo. O Cinza acendeu outro cigarro e foi resmungar com o Branco, que fingia responder com pequenos grunhidos. 

Era o caos. Ninguém entendia mais nada. O bate boca estava próximo de tornar-se agressão generalizada. Foi quando todos se assustaram com a porta do recinto sendo arrombada pelo forte vento trazido pela fina chuva. E junto com os pingos, o sol da nova manhã também entrava pelas janelas escancaradas. Misturaram-se às cores, que foram arrastadas para a rua. E como em todas as reuniões desse tipo, não poderia ser diferente, tudo acabou em arco-íris. 

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